segunda-feira, 28 de outubro de 2013

UM ENTERRO IMAGINADO


Imaginei um enterro para o senhor Tota Branco totalmente diferente do que costumamos ver. Um enterro parecido com os daquelas culturas em que se celebra a morte como instante de alegria.

Poetas de várias partes, afamados violeiros a quem ele ajudou, cantariam com eloquência e encantador improviso a importância de sua vida e o muito que ele fez pra promover a cultura.

As violas carpideiras, chorariam pelo povo, porém um choro gozoso, nascido da poesia.
Seria um dia de canto na cidade do Japi, e a maior cantoria que ali poderia haver. 

De longe se ouviria poemas que apreciava. Muita gente correria seduzida pelo canto para se fazer presente nessa bela despedida.

Uma atmosfera sagrada invadiria a cidade e lágrimas brotariam do olhar da multidão.

No centro, o velho poeta, cercado por tanta gente, liberto das muitas dores, pareceria sorrir ante tão grande homenagem. 

Os artistas da cidade e os poetas da família tomariam, de mãos dadas, o propósito de manter acesa pra sempre a chama que ele tanto protegeu. A cultura popular então ressuscitaria com todo aquele vigor que já teve no passado.

Seria com este séquito inebriado de versos que ele entraria pra sempre num lugar onde o silêncio é pleno de poesia.




domingo, 27 de outubro de 2013

A VIGÉSIMA QUARTA VÍTIMA - Gilberto Cardoso dos Santos


Estive na residência da vigésima quarta vítima de assassinato em Santa Cruz, ocorrido em 26.10.2013. Por coincidência, sua humilde residência é de número 24. Na sala estreitíssima, amigos, familiares e vizinhos respeitosamente se aglomeravam para vê-lo.

É sempre estranho para mim entrar na casa de quem não conheço em um momento como este. Mas enfrentei meus medos e fui visitá-lo. Contemplei-o demoradamente. Trata-se de um jovem bem afeiçoado que parece estar apenas dormindo, conforme observa uma das vizinhas.

A um canto, um senhor baixo, negro, fuma como a querer dispersar sua dor junto com a fumaça. É o seu pai, um humilde pedreiro de aspecto dócil, homem sem estudos. Busco entabular conversa com ele e logo descubro fatos interessantes a respeito da vítima. O pai esforça-se, como é compreensível em tais ocasiões, para resgatar o que havia de melhor no filho. Explica-me que ele havia largado os estudos, na Escola João Ferreira, que fica próxima, para ajudá-lo como servente.

Ressalta um detalhe que lhe é muito caro nesse momento: a mulher, para quem estava trabalhando ultimamente, gostava muito de seu filho, tirava  brincadeiras com ele e dizia que gostava muito dele. Sim, as pessoas , até mesmo o povo rico ou mais ou menos, para quem trabalhavam, gostava de seu filho. E continuou a falar-me das boas qualidade daquele a quem embalou, alimentou, brincou, com quem conviveu por dezessete anos, carne de sua carne.

O pai não esconde que o filho fumava o que ele chamou de “um pretão”, mas garantiu-me que ele não devia a ninguém por seu vício e que não cheirava pedra nem cocaína, só o pretão. Como trabalhava de servente, semanalmente reservava uma parte para gastar com a droga. Mas, insistiu, nada devia a ninguém nem tinha inimigos.

Penso: um dos sonhos do pai era vê-lo evoluir de servente a pedreiro. Ele, um senhor de idade, em breve poderia ser substituído pelo filho na função.

Nesse instante chegaram alguns amigos dele, ex-alunos meus. Um deles, profundamente entristecido, falou-me do quão eram amigos e do quanto a vítima era legal. “Gilberto, ele era muito brincalhão, mas não tirava brincadeira sem graça. Ele vivia trabalhando, ajudando o pai. Ele ia muito lá em casa e não mexia em nada. Você podia deixar qualquer objeto perto dele que ele não roubava. Pra mim é como se fosse um irmão.”

Perguntei se ele tinha algum processo, passagem pela polícia, e o amigo garantiu que não. A probabilidade, disse-me ele, é a de que o alvo dos tiros não fosse ele, mas o outro com quem andava, que conseguiu escapulir-se. Esse outro, sim, já tinha tido problemas com alguns e era perseguido. Essa era a única explicação plausível que o amigo do morto conseguia ver.

A morte de Wiliam, disseram-me, foi uma surpresa para muita gente. O pai garantiu-me que ele não tinha sofrido ameaças antes.

Como a sala é apertada e não dispõe de assentos suficientes, cadeiras emprestadas por vizinhos solidários foram colocadas na calçada em frente. Nelas, amigos, curiosos e familiares parecem reconhecer a importância do silêncio nesses momentos e trocam breves frases enquanto tentam consolar a mãe do falecido que se encontra ao centro.

O que se nota, nos olhos aflitos de todos que ali estão é um evidente sentimento de medo que se mistura à revolta e ao sentimento de impotência. Enquanto conversava com o pai, tentava ler em seus olhos a dor que não se expressava em lágrimas, mas se fazia evidente em cada gesto e coisa que dizia.

Trata-se de alguém que teme pelos outros filhos, de um pedreiro que tem passado toda a vida tentando construir um futuro melhor para si e para os que ama mas não tem tido condições favoráveis. Tudo parece ruir diante de seus olhos e agora o que tinha de mais precioso acaba de desmoronar.
Que lhe reserva o futuro diante de um presente tão negro?

Os jovens amigos do falecido com quem conversei em particular, falaram-me do medo que tinham de sair à noite e de circular fora do bairro. Sentiam-se discriminados, desassistidos e perseguidos.

Todos temem abrir demais a boca. O silêncio resignado e o choro contido dão uma falsa aparência de calma à ruazinha estreita. Mas somente quem passou por situação semelhante e quem ali reside é que pode ter ideia do desespero vivido por aquela gente humilde.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A VIAGEM DO POETA ADRIANO BEZERRA - Gilberto Cardoso dos Santos


O amigo Adriano
e sua esposa Ninar
por motivo soberano
distantes irão ficar
em busca de melhor vida
se dá a Triste Partida
do poeta cordelista
que tanto nos acrescenta
a APOESC lamenta
a viagem do artista

São circunstâncias da vida
das quais não dá pra fugir
no entanto na dor da ida
é bom pensar no porvir
unidos pelo amor
superarão esta dor
que deixa um buraco aberto
pois lhes resta a esperança
se tiverem confiança
no final dá tudo certo!


A VIAGEM DO POETA ADRIANO BEZERRA - Gilberto Cardoso dos Santos


O amigo Adriano
e sua esposa Ninar
por motivo soberano
distantes irão ficar
em busca de melhor vida
se dá a Triste Partida
do poeta cordelista
que tanto nos acrescenta
a APOESC lamenta
a viagem do artista

São circunstâncias da vida
das quais não dá pra fugir
no entanto na dor da ida
é bom pensar no porvir
unidos pelo amor
superarão esta dor
que deixa um buraco aberto
pois lhes resta a esperança
se tiverem confiança
no final dá tudo certo!


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Paraíso de Santa Cruz - Gilberto Cardoso dos Santos

Eis algumas estrofes do meu cordel O Paraíso de Santa Cruz:

No cordel do Paraíso
que pela verdade prima
além de produzir arte
quero algo além da rima:
contribuir de algum modo
pra erguer a autoestima

A autoestima de um bairro
que possui grande valor
e não tem razão alguma
pra sentir-se inferior
de um povo hospitaleiro
honesto e trabalhador.


Belo é o nome do bairro
ao qual faço apologia
Quem colocou esse nome
certamente possuía
intenções de ver seu povo
vivendo em grande harmonia!

No princípio pertencia
esse torrão nordestino
a um homem conhecido
como Pedro Severino
e ali Wilson cresceu
como um fogoso menino

Nesse tempo o Paraíso
esse nome merecia
não existiam drogados
violência não se via
um paraíso terrestre
era o que parecia

Depois, porém que cresceu
muita coisa foi mudando
mas era de se esperar
pois o tempo foi passando
gente vinda de outras partes
foi ali se aglomerando

Apesar dessa mudança
que criou um certo trauma
há muita gente de bem
com o paraíso na alma
que traz a esse lugar
o aconchego e a calma

Se criou em Santa Cruz
um certo mal-entendido
alguém diz: “No Paraíso
Só mora pobre e bandido”
Porém não há fundamento
pra esse dito atrevido.

Há gente de condições
no Paraíso morando
Se dali nunca se mudam
é porque vivem gostando
E há muita gente do centro
que enriqueceu roubando

Vez por outra, pelas ruas
eu escuto algum cochicho
Alguém diz: “No Paraíso
não há gente, só tem bicho”
passa alguém do Paraíso
e é olhado como lixo

Em 1930
É bom que você entenda
o bairro do Paraíso
era uma grande fazenda
aí, sim, havia bicho
mas hoje há gente de prenda!

Pelo rio Trairi
Então era separado
precisava-se de balsa
pra chegar ao outro lado
fez-se a ponte mas o orgulho
ainda o deixa isolado!

O mundo tem que mudar
chega de tanto bairrismo
estamos na mesma balsa
não há razões pra racismo
Valorize o ser humano
abaixo  todo egoísmo!

[...]


domingo, 6 de outubro de 2013

O VIAJANTE - Gilberto Cardoso dos Santos


Como quem foge de si
ele se fez viajante
queria reencontrar-se
em algum lugar distante
rompeu os próprios limites
com seu passo itinerante

 Foi-se com ar confiante
deixando um clima funéreo
abandonava a rotina
para encarar o mistério
sempre a pensar na viagem
que finda no cemitério.

Sentiu o ar deletério
de climas desconhecidos
enfrentou cheiros e gostos
desafiando os sentidos
e vislumbrava orgulhoso
os rumos já percorridos

Com seus passos destemidos
ele seguia avançando
como quem se lança ao mar
ele ia se jogando
como a lutar contra o tempo
que estava se acabando.

E hoje, aniversariando,
Talvez se ponha a pensar
Nesta viagem no tempo
Da qual não pode escapar
porém ondas de otimismo
Novas marés vêm causar

Teria muito a contar
Caso escrevesse um diário
A experiência, decerto,
É o seu melhor salário,
E lhe causa refrigério
Grande pequeno Rogério:
Um feliz aniversário!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

OS CARÕES DA PRESIDENTA - Gilberto Cardoso dos Santos


Que vergonha para os mal-educados (maleducados, melhor dizendo) do Rio Grande do Norte que foram assistir à inauguração de mais um instituto federal, dessa vez na cidade de Ceará-Mirim.
A governadora, educada como sempre, falou na garra dos jovens, elogiou-os. E o que recebeu em troca enquanto falava? Uma tsunamiana vaia que afogou todo o seu discurso. Coitada da governadora. Que vergonha pra nossos jovens que não respeitam nossas autoridades nem querem parar pra ouvir os mais velhos.

Esses jovens de hoje que não respeitam mais nem os pais acham que são os donos do mundo e só querem fazer baderna.

A pobre da governadora saiu muito triste da tribuna, embora seu sorriso não tenha perdido o brilho em nenhum momento (dava pra ser atriz, a mulher). Se fosse eu, tinha chorado.
Mas foi bem feito o que aconteceu depois. A presidenta Dilma não gostou do que viu e com ela a coisa é mais séria. O buraco é mais embaixo. Deu uns merecidos carões nos baderneiros. “Isso é feio, muito feio!”, disse ela.

Eu, que estava lá mas fiquei na minha, que não tinha em nenhum momento vaiado a governadora, fiquei morrendo de vergonha com o que a presidenta disse. “Ainda bem que não fiz isso”, pensei comigo. Gente, que imagem ela vai levar do nosso Rio Grande do Norte?! Ela vai pensar que o povo potiguar é um bando de índio. Aliás, ela falou em índio no seu discurso. Será que não foi uma indireta? Bem, a carapuça não caiu na minha cabeça, mas eu senti vergonha pela nossa gente.

Pra mim, um carão dói mais que uma lapada. Sou mais levar uma surra. Mas o povo de hoje não liga pra isso não. E tudo isso por que, eu me pergunto. Por que atrasou o pagamento do estado? Ah, meu filho, foi só um atraso de poucos dias. Pior era uma patroa que eu tinha: passava meses e meses sem pagar.

Mesmo levando carão da presidenta, os bagunceiros não se emendaram e começaram a vaiar Dilma. Coitada da Dilma, tão boazinha (mulheres finíssimas, ela e a governadora). Estava tentando ajudar-nos a ter bons modos, mas acabou na vaia também. A vaia foi grande. Eu vi a hora sair pedrada!
Nós temos que ter bons modos, minha gente. A nossa imagem lá fora não vai ficar nada boa depois disso.