sábado, 24 de janeiro de 2015

UMA CHAPEUZINHO VERMELHO MUITO CORAJOSA - Gilberto Cardoso dos Santos



Chapeuzinho vai andando
Dança o pararatibum
Com seu andar incomum
Segue animada e cantando
O lobo está espreitando
A missão é perigosa
Mas ela é corajosa
Pergunta em tom triunfal:
“Onde está o lobo mau
Pra gente ter uma prosa?”

Porém o lobo assustado
Talvez esteja escondido
Em lugar desconhecido
Com medo e desanimado
Se estava esfomeado
Já não está nem aí
Na cesta tem açaí
Doce-de-leite, cocada
Diz Chapeuzinho estressada:
“Cadê o lobo daqui?!”

Outro chapéu desejando
A Chapeuzinho Vermelho
Da mãe não segue o conselho
Continua debochando
Se o lobo está espreitando
Decerto já desistiu
Quando aquela voz ouviu
Voz estranha, masculina
Não era voz de menina
Logo o lobo pressentiu.

Pelo lobo rejeitada
Chapeuzinho vai tristonha
No entanto ainda sonha
Ser por ele atacada
Tão nova e já tão levada
Com uma saia tão curtinha
Penso que a vovozinha
Não vai gostar nenhum pouco
Do comportamento louco
Dessa rebelde netinha.

Triste é a situação
Da Chapeuzinho Quixote
Com seu estranho decote
Querendo ser refeição
Aqui há uma inversão
Chapeuzinho, sedutora
Torna-se a predadora
O lobo é vitimizado
Por isso, desesperado
Foge da enganadora.

“E agora, Chapeuzinho?”
Diria Cid Moreira
“Vá depressa, na carreira
Cruze logo esse caminho”
Nesse conto em desalinho
O lobo muda de plano
Pra evitar outro engano
Deixa de ser lobo mau
E em mudança radical
Vira vegetariano.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O VEEMENTE DISCURSO DE UM MUDO - Gilberto Cardoso dos Santos



Ele discursa com gosto
Fala com convicção
Tem, além da voz potente,
Boa gesticulação
A gente vê claramente
Que o discurso veemente
Procede do coração.

Promete sem falsidade
Isso a gente pode ver
E eu sei que são coisas boas
O que está a dizer
A gente lê no olhar
Que ele não quer enganar
Promete o que vai fazer!

Fala com severidade
Contra a corrupção
Não vai haver bandidagem
Durante a sua gestão
Quem o ouve nada entende
Mas no fundo compreende
Ser boa a sua intenção.

Ele se espreme exprimindo
Seu amor pela cidade
É coerente o que diz
Com a intencionalidade
Não é só verborragia
O tom de voz denuncia
Que ele disse a verdade.

Por quantos belos discursos
Nós já fomos enganados?
É hora de dar um basta
Em discursos planejados
Pra eleger a escória
Não é de boa oratória
Que estamos necessitados.

Qual o político que não muda
Mesmo quando diz “não mudo”?
Na campanha é sorridente
Quando ganha é carrancudo
Na política é falastrão
Prometedor, enrolão
Depois esquece de tudo.

Talvez o mudo não mude
Faça o que está a dizer
A gente não sabe agora
O que pretende fazer
Falhou em sua expressão
Mas quando entrar em ação

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

SOU OU NÃO CHARLIE HEBDO? - Gilberto Cardoso dos Santos


Vendo as imagens chocantes do ataque à redação do jornal francês em 07.01.2015 e o slogan que quase de imediato foi mundialmente divulgado, pensei em ser Charlie Hebdo. Depois, li um texto partilhado por Leonardo Boff, não de sua autoria, intitulado “Eu não sou Charlie Hebdo”, com algumas ponderações interessantes. Resolvi aprofundar-me no tema, ter outras visões sobre o problema do terrorismo. Assisti um documentário sobre os ataques do Boko Haram, um grupo similar ao Al Qaeda e ao Isis que, apenas no primeiro mês de 2015 matou cerca de três mil nigerianos. A partir daí, comecei a ver mais claramente um outro lado. Vi que a charge, cujo significado é “carga” (devido o exagero que se faz nos traços), pode ter um peso muito grande na história, nem sempre positivo. No vídeo citado, Haruna Mshella, presidente de conselho paroquial, explica a origem do atual conflito vivido por sua gente:

“Tudo começou com aquelas caricaturas da Dinamarca, feitas por alguém que não conhecemos, nem sequer é cristão. De qualquer modo, em seguida começaram a vir a igrejas aqui e a assassinar os sacerdotes.”

Lembrei-me deste precedente na história das charges. O caricaturista dinamarquês, indignado com tantos entraves trazidos à democracia pelo radicalismo islâmico, expressou sua revolta através de charges do profeta Maomé. Isso provocou uma imensa revolta nos países islâmicos e uma reviravolta rotina de sua família. Teve que mudar-se para endereço desconhecido e até hoje não tem pleno sossego. Na verdade, correu um risco calculado. Conseguiu manter-se ileso até hoje, mas o que pensar sobre os incêndios em embaixadas e mais de 200 mortes consequentes? Caso as palavras de Haruna Mshella correspondam aos fatos, não devería ele também sentir-se culpado ainda que em parte pelo que ora ocorre na Nigéria? No caso do atentado francês, pessoas que nada tinham a ver também pagaram com a vida. Um dos cartunistas assassinados na França, já idoso, disse com louvável coragem estar numa fase em que já não temia represálias. Pergunto-me se ele não deveria ter levado em conta o risco que outros também correriam. Fico imaginando quantos que nunca leram esse jornal ou viram estas charges sofreram por causa delas. 

Mas se eu fosse um artista, consciente de que minha arte poderia resultar na morte ou sofrimento de inocentes, ponderaria muito antes de expressá-la. Não conheço todas as charges publicadas pelo famoso jornal e imagino que elas contenham uma mensagem que, em linhas gerais, não deva ser suprimida. Todavia, como falar ao entendimento de alguém que está cego pelo fanatismo e que, covardemente, poderá atacar a inocentes que pouco ou nada têm a ver? Confrontá-lo do modo mais agressivo, como num ato insano de vingança não me parece ser a melhor saída. Tenho o direito de atrever-me a dizer-lhe algumas verdades, buscar impor limites à sua intolerância, exigir meus direitos, mas deverei ponderar como fazê-lo, pois estou a tratar com gente movida por paixões obscuras, capaz de qualquer coisa. Uma pergunta perfeitamente cabível, norteadora da liberdade de expressão nesse caso deveria ser: O que fazer para limitar meus ataques à ala radical do Islã sem ofender aos moderados? Tem como batalhar contra tais inimigos sem multiplicá-los? Vi algumas caricaturas inteligentes, de imediato aprovadas, publicadas naquele jornal. Mas vi outras pouco ou nada criativas, puramente ofensivas. Deu-me a impressão que na falta de inspiração buscavam compensá-la com agressões fortes, ousadas, mais parecidas com demonstrações de coragem insana que de humor propriamente dito. Em referência ao atentado, o papa Francisco disse que a liberdade de expressão tem limites e que se alguém insultasse sua mãe deveria esperar um soco como resposta. Exemplo tão pessoal leva-nos a refletir sobre a necessidade que temos de levar em conta os sentimentos e a mentalidade de nossos interlocutores, principalmente quando o que lhes dizemos soa desagradável. Inteligência emocional, tato e empatia são fundamentais num mundo globalizado, de equilíbrio tão frágil.

Aplaudo a ferrenha defesa que a França, berço do Iluminismo, faz da liberdade de expressão e acho que só por isso eu deveria ser Charlie Hebdo. Mas quando vejo esse mesmo país condenar o comediante Dieudonné pelo fato dele se valer dos mesmos direitos ora defendidos, fica a dúvida se estão fazendo um uso coerente da liberdade de expressão. Em seus shows de stand up comedy, ele agride valores caros à cultura francesa. Apesar das ameaças, prejuízos e aprisionamentos parece cada vez mais disposto a atacar o que ele considera um uso hipócrita do direito de expressão. Graças a essa oposição, parece-me, é um monstro que está a crescer. Não será mais mais uma estratégia errada de combate ao terrorismo, a somar-se às muitas que França tem cometido ao longo dos anos? O futuro dirá.

Estarrecido com o assassinato de quatro importantes chargistas (e de mais 13 pessoas que só se tornaram objeto de comoção pela associação com os famosos), o mundo se mobilizou duma maneira que entrará para a história. Dias antes, em 16 de dezembro de 2014, terroristas muçulmanos do Talibã invadiram uma escola no Paquistão, deixaram 141 mortos e 131 feridos, a maioria crianças, mas na França e no mundo quase não houve alarde. Impressiona-nos como algo tão grave foi e continua sendo tão pouco divulgado. Não houve um ajuntamento de estadistas para protestar nem multidões nas ruas para dizer "nós somos os 3 mil massacrados da Nigéria, somos as crianças mortas na escola paquistanesa". Isso prova o quanto os seres humanos continuam a valer pelo que têm, pela posição que ocupam, pela localização geográfica em que vivem. A mensagem que a Europa e o resto do mundo deixam escapar é que não importa muito aquilo que os radicais estão fazendo em outras partes do globo, desde que os deixem em paz. Quanto à decisão da imprensa mundial em dar ampla cobertura ao acontecimento, tem a ver também com interesses corporativistas. Defender o Charlie Hebdo é defender-se. Mostrar a força do Quarto Poder e desestimular atentados aos  formadores de opinião são as grandes razões.


Por fim,  lembro-me do efeito positivo que as charges dinamarquesas tiveram na vida de vários muçulmanos. A ex-muçulmana Wafa Sultan, por exemplo, despertou a partir daquela caricatura. Ferrenha defensora dos ataques ao fanatismo através de caricaturas e outras manifestações artísticas, ela diz que o Islamismo precisa se abrir à critica assim como ocorreu com o Judaísmo e com o Cristianismo. Só assim ele evoluirá, diz ela. Daí minha vontade de ser Charlie Hebdo. Por estes esses e outros motivos, bate-me a dúvida se devo ou não vestir a camisa que parece ter uniformizado o planeta. O personagem Hamlet, em sua crise existencial, expôs o dilema numa frase hoje clássica. Também vivo uma crise de identidade diante de tantas cobranças e discussões em torno desse atentado. Ser ou não ser Charlie Hebdo, eis a questão. Mas estou aberto a críticas.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

VEJA COM ATENÇÃO O FILME "HARODIM, Olhe mais perto" - Gilberto Cardoso dos Santos


Quando um amigo e conterrâneo em cujo bom gosto confio me falou da surpresa que teve com o filme Harodim, recorri ao Google em busca duma sinopse. Pelo que li, deu vontade de nem iniciar o filme, tão fantasiosa me pareceu a trama. Mas comecei assim mesmo, a contragosto, não sem antes postar um comentário negativo, precipitado, sobre as conclusões a que imaginei iria chegar. Livro julgado pela capa.

Até então, minhas convicções acerca do 11 de setembro estavam tão firmes quanto as Torres Gêmeas antes do ataque. Isso tinha uma razão de ser: firmado nos relatos oficiais a respeito do ocorrido, e em meu próprio testemunho dos fatos (assisti, ao vivo, no instante em que os aviões bateram nas torres) sempre recusei ver qualquer coisa que cheirasse a teoria da conspiração sobre o assunto.

Trata-se de um filme parado, calmo, que agita tudo dentro de você. Como disse alguém, é algo bem diferente dos que costuma assistir.

Diversas vezes pausei o filme para rever alguma fala anterior, ou para pesquisar na net se o que me surpreendera tinha algum fundamento histórico.

Enquanto o assistia, lembrei-me da trilogia Matrix e senti-me dentro dela, tão atônito quanto seu personagem Neo. Lembrei também da série Lost, onde os fatos e personagens nunca são o que parecem ser. Vi-me dentro de um sistema fantasioso, manipulado, perdido na ilha da série, sem entender quase nada. A caverna de Platão nunca me foi tão real. Mas não concluam que comprei inteiramente a ideia do filme. Antes, me vejam como quem acordou de um pesadelo, sabe que despertou, mas o coração continua a bater forte como se fosse real. Quando uma película provoca tais efeitos, é sinal de que cumpriu bem o seu papel. Ao menos para mim e meu amigo.

Como fiquei após o filme? Vi-me repetindo a frase de Sócrates: “Sei que de nada sei”. Certamente não convencido de tudo que vi, mas duvidoso do que sabia ao ponto de querer aprofundar-me no tema vendo documentários antes preconceituosamente rejeitados. Tenho certeza que minhas certezas não acabarão no pó como o World Trade Center, mas sinto que há muito a ser revisto e devidamente compreendido. 
Veja o filme completo no link abaixo:



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O 11 DE SETEMBRO DOS FRANCESES - Gilberto Cardoso dos Santos


A charge é a maneira mais suave
e simples que se tem de protestar
Um modo inteligente de mostrar
Aquilo que nos serve de entrave
A crise que se vive é muito grave
Ataques foram feitos várias vezes
Fanáticos sem humor e descorteses
em nome de Alá e seu Mensageiro
fizeram deste sete de janeiro
O 11 de setembro dos franceses

A nossa liberdade de expressão
profundamente foi ameaçada
em uma ação covarde, inesperada


se fez sangue jorrar na redação
tentava-se calar a oposição
a algo que ameaça à humanidade
em nome da justiça e da verdade
Devemos todos nós a voz erguer
Se o mundo temeroso se encolher
podemos dar adeus à liberdade.



terça-feira, 6 de janeiro de 2015

INSTANTE ÚNICO - Gilberto Cardoso dos Santos

    Foto tirada em 03.01.2015


O dia teve suas frustrações
Falta de chuva, clima muito quente
Vim à tardinha ver o sol poente
No açude seco, sobre seus torrões
Chegava a noite, vi as mutações
de sombra as nuvens já se revestindo
Belas imagens foram construindo
Na tela enorme do cine celeste
E eu me orgulhei de estar no Nordeste
Pra contemplar esse cenário lindo.

sábado, 3 de janeiro de 2015

BELEZA NA EXCASSEZ -Gilberto Cardoso dos Santos

Foto tirada por Maria Andrade no Açude Santa  Rita

No açude devastado
Nutrido avança o capim
Vai transformando em jardim
O chão antes alagado
Alvas garças pequeninas
Quais damas de pernas finas
Se movem com altivez
Surpreende a natureza
Com abundância de beleza
No meio da escassez.

(Gilberto Cardoso dos Santos)