domingo, 30 de novembro de 2014

Black Friday no Brasil Foi feito pra enganar. - Gilberto Cardoso dos Santos


Pague cinquenta por cento
Do preço que foi dobrado
Deixe o comércio animado
Dê às vendas incremento
Vamos! Não seja avarento
Aproveite pra comprar
É hora de renovar
Com promoções nota mil
Black Friday no Brasil
Foi feito pra enganar.

Na onda do vendedor
Que quer sugar seu dinheiro
Você vai surfar maneiro
Por um preço tentador
A fila está um horror
Mas vale a pena esperar
Temos que economizar
Tal promoção não se viu
Black Friday no Brasil
Foi feito pra enganar.

Fique com a sensação
De que faz um bom negócio
Não dê uma de beócio
Aproveite a ocasião
Pois tão grande promoção
Em breve vai acabar
Mesmo se não precisar
Compre! O preço caiu!
Black Friday no Brasil
Foi feito pra enganar.

Minha sala renovei
Quarto, despensa e cozinha
Gastei tudo quanto tinha
Também me endividei
Acho que exagerei
No vermelho vou ficar
Na próxima vou me cuidar
Não caio mais nesse ardil
Black Friday no Brasil
Foi feito pra enganar

sábado, 15 de novembro de 2014

OS OLHOS DE RUBEM ALVES - Gilberto Cardoso dos Santos


Quando Rubem Alves cerrou para sempre as pálpebras, eu me perguntei: Onde haverá, na face da Terra, alguém capaz de vislumbrar o mundo exatamente como o Rubem via? Quanta aptidão tinha ele em despir uma cebola e ver-lhe a alma desnuda.

Por um tempo ele viu o mundo como nós; teve vista fraca para o que é essencial. Foi pastor protestante sedento por epifanias, professor universitário obcecado pela cientificidade da expressão linguística... mas, como aconteceu com o apóstolo Paulo, escamas caíram-lhe dos olhos.

Não se sabe exatamente quando, foi elevado até o mais alto céu e teve encontro pessoal com a poesia. Aprendeu a pressenti-la em tudo. O ouro descoberto por ele, que a tudo permeava, pertencente a um reino encantado, seria distribuído entre os educadores. A “aura” das coisas, aquilo que traz transcendência ao que é comum, que sempre escapa aos olhos enfeitiçados por bijuterias. Rubem, duplamente mineiro, sempre soube cavar no lugar certo. Mas não se sabe ao certo se ele de fato encontrava ouro ou descobrira a pedra filosofal. 

O que se sabe é que sua poesia, por ser tanta, não cabia em versos e alargava a forma das estrofes. A poesia se espalhou em sua prosa, decretou posse de seu ser e contaminou todo seu discurso. Não havia mais lugar para o pastor condicionado por viseiras religiosas, para o acadêmico árido, fanatizado por uma outra Bíblia, manietado, cioso do que deveria escrever. Nascia o Zaratustra da educação, aquele que nos falaria no idioma dos anjos.

Cerrávamos as pálpebras para ouvi-lo porque gostávamos de ver o mundo através de seus olhos. Cá embaixo, nos vales de nossa rotina educacional, deleitávamo-nos como eco de sua voz, vindo das montanhas. Éramos bem-aventurados.

Resta-nos agora treinar os olhos, adoecê-los, aflitivamente umedecê-los com o ácido das cebolas, pois necessitamos encarecidamente continuar a ver as coisas como ele as via. Do contrário, assim como morreu Rubem, morrerão os educadores. Que todo professor delire ao ponto de ver a aura única, especial, que envolve a cada aluno. O príncipe no sapo, a borboleta na lagarta, o pão na pedra.

Sejamos versos e estrofes onde a poesia livremente possa se despejar. Só assim haverá vida em nossas classes. E Rubem poderá descansar em paz...

OS OLHOS DE RUBEM ALVES - Gilberto Cardoso dos Santos


Quando Rubem Alves cerrou para sempre as pálpebras, eu me perguntei: Onde haverá, na face da Terra, alguém capaz de vislumbrar o mundo exatamente como o Rubem via? Quanta aptidão tinha ele em despir uma cebola e ver-lhe a alma desnuda.

Por um tempo ele viu o mundo como nós; teve vista fraca para o que é essencial. Foi pastor protestante sedento por epifanias, professor universitário obcecado pela cientificidade da expressão linguística... mas, como aconteceu com o apóstolo Paulo, escamas caíram-lhe dos olhos.

Não se sabe exatamente quando, foi elevado até o mais alto céu e teve encontro pessoal com a poesia. Aprendeu a pressenti-la em tudo. O ouro descoberto por ele, que a tudo permeava, pertencente a um reino encantado, seria distribuído entre os educadores. A “aura” das coisas, aquilo que traz transcendência ao que é comum, que sempre escapa aos olhos enfeitiçados por bijuterias. Rubem, duplamente mineiro, sempre soube cavar no lugar certo. Mas não se sabe ao certo se ele de fato encontrava ouro ou descobrira a pedra filosofal. 

O que se sabe é que sua poesia, por ser tanta, não cabia em versos e alargava a forma das estrofes. A poesia se espalhou em sua prosa, decretou posse de seu ser e contaminou todo seu discurso. Não havia mais lugar para o pastor condicionado por viseiras religiosas, para o acadêmico árido, fanatizado por uma outra Bíblia, manietado, cioso do que deveria escrever. Nascia o Zaratustra da educação, aquele que nos falaria no idioma dos anjos.

Cerrávamos as pálpebras para ouvi-lo porque gostávamos de ver o mundo através de seus olhos. Cá embaixo, nos vales de nossa rotina educacional, deleitávamo-nos como eco de sua voz, vindo das montanhas. Éramos bem-aventurados.

Resta-nos agora treinar os olhos, adoecê-los, aflitivamente umedecê-los com o ácido das cebolas, pois necessitamos encarecidamente continuar a ver as coisas como ele as via. Do contrário, assim como morreu Rubem, morrerão os educadores. Que todo professor delire ao ponto de ver a aura única, especial, que envolve a cada aluno. O príncipe no sapo, a borboleta na lagarta, o pão na pedra.

Sejamos versos e estrofes onde a poesia livremente possa se despejar. Só assim haverá vida em nossas classes. E Rubem poderá descansar em paz...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"SOBRE INQUIETUDES - IELMO MARINHO EM VERSOS" E SEU AUTOR

Tive o prazer de receber do escritor Gustavo Santos, que além de poeta é comunicador, professor e mestrando em educação, um livro autografado  intitulado Inquietudes – Ielmo Marinho em Versos.

Trata-se de uma leitura agradável, destas que despertam o apetite em leitores fastiosos - 50 poemas ao todo - em que o autor trata de paisagens, momentos e pessoas que falam com eloquência ao seu receptivo coração.

A Gustavo Santos coube o privilégio de ser o pioneiro das publicações literárias em Ielmo Marinho e a grande oportunidade de fotografar a rica subjetividade de uma gente simples, poética em sua essência. Poesia tem que ter alma, e a alma de Ielmo Marinho adquire corpo nestas páginas belamente ilustradas.

Além de merecer parabéns pela qualidade do livro e por sua habitual simpatia, Gustavo é digno de encômios por sua ideia de fazer escambo dos livros por comida - 3 kilos de alimento não perecível generosamente distribuídos -  podendo, assim, nutrir espíritos e corpos com sua obra.

Eis dois poemas de Inquietudes – Ielmo Marinho em Versos:

DOMINGO, EM IELMO MARINHO 

Amanhece o domingo,
Ielmo Marinho se desperta.
A natureza, como sempre,
com sua excelência,
sorri um novo dia.
Nos oferece
sua exuberante beleza

Choveu, um pouco, à noite.
O verde se espreguiça,
lentamente, a acordar.
A pedra fria
espera o sol chegar.

Nós encontramos uma cultura.
Estatuetas e jarros de barro.
Valioso e insaciável,
de nosso próprio respirar!
De nosso próprio viver...

Enquanto...
Um domingo amanhecer!

Foto de Ielmo Marinho meramente ilustrativa, adquirida na internet

EU QUERO

Quero beber
da água cristalina
que chega ao povo ielmo-marinhense...
Sorrisos e gargalhadas.

Quero o abacaxi
desse povo trabalhador,
vendendo na estrada de Umari,
a rotina.

Quero a carne seca
do feijão verde
em caldeirão de barro.

Quero ter boa vista,
boa prosa,
o silêncio que encanta e contagia.

Foto ilustrativa de Ielmo Marinho, maior produtor de abacaxi do RN

O poeta Gustavo Santos distribuindo alimentos adquiridos em trocas por seus livros

Orelha do livro INQUIETUDES

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

PADRE ALESSANDRO CAMPOS NO LIXÃO DE BRASÍLIA - Gilberto Cardoso dos Santos


Estou me sentindo forçado a conhecer mais e mais sobre padre Alessandro Campos. Nas ruas de Santa Cruz, principalmente aos sábados, é impossível não ouvir

"O que que eu sou sem Jesus?
Nada, nada, nada
Sem Jesus o que que eu sou?
Nada, nada, nada"


O povo costuma fazer coro à resposta. Involuntariamente, não resisto à tentação de completar a música. Acho que aquilo faz bem à feira. Traz uma sensação de paz aos que ali circulam, a julgar pelo que vejo nos semblantes. Obviamente, alguns se irritam com o alto volume e repetitividade, mas no geral o saldo é positivo. As músicas que anteriormente tocavam nos carrinhos de cds piratas eram horríveis.

Minha sogra é fã desse clérigo. Costuma ouvir tudo que ele canta e fala. Foi quem me indicou o vídeo, gravado em um lixão de Brasília.

Ao ver a reportagem intitulada "O padre na pele do povo" lembrei do seguinte trecho bíblico:

"De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz." - Filipenses 2: 5 a 8  

Num certo sentido foi isso que o padre fez: despiu-se do luxo e glórias que a função lhe confere e buscou igualar-se aos menos favorecidos, ainda que temporariamente. Nosso mundo carece mais e mais  dos que se põem na pele dos outros para conhecer mais de perto seus dramas. A empatia parece  imprescindível nos dias de hoje.
Fico imaginando o que este líder religioso pensa ou deveria pensar vendo tantos irmãos - todos católicos - vivendo em condições tão desfavoráveis. 

Chamou-me a atenção o momento em que o padre perguntou a um dos catadores: 

- O que você encontrou aqui de mais importante?

E a resposta:

- Minha família. Foi aqui que eu conheci minha mulher.

A reportagem trouxe-me também à lembrança os seguintes poemas:

Além da Imaginação
,
Tem gente passando fome.
E não é a fome que você imagina
entre uma refeição e outra.
Tem gente sentindo frio.
E não é o frio que você imagina
entre o chuveiro e a toalha.
Tem gente muito doente.
E não é a doença que você imagina
entre a receita e a aspirina.
Tem gente sem esperança.
E não é o desalento que você imagina
entre o pesadelo e o despertar
Tem gente pelos cantos.
E não são os cantos que você imagina
entre o passeio e a casa.
Tem gente sem dinheiro.
E não é a falta que você imagina
entre o presente e a mesada.
Tem gente pedindo ajuda.
E não é aquela que você imagina
entre a escola e a novela.
Tem gente que existe e parece
imaginação.


(Ulisses Tavares)

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem


(Manuel Bandeira)

Em suma, a reportagem nos traz à reflexão uma realidade para a qual pouco atentamos.Há um outro Brasil que precisa ocupar mais as manchetes. Parabéns ao padre e à TV Aparecida.