quinta-feira, 15 de março de 2012

RESSURREIÇÃO DE MACHADO DE ASSIS - Gilberto Cardoso dos Santos




Machado escreveu em 1873:

[...] Não há atualmente teatro brasileiro, nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça nacional se representa. As cenas teatrais desse país viveram sempre de traduções, o que não quer dizer que não admitissem alguma obra nacional quando apareciam. Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo que fala aos sentidos e aos instintos inferiores?

O trecho é parte do ensaio NOTÍCIA DA ATUAL LITERATURA BRASILEIRA INSTINTO DE NACIONALIDADE. Como um todo, bem ilustraria o que se dá nos dias de hoje e nos conduziria à convicção de que, como dizia Salomão, nada há de novo debaixo do sol. Ele lamentava, por exemplo, que os clássicos nesse tempo fossem pouco lidos e conhecidos. Machado, hoje um clássico - autor de um romance que figura na lista dos cem melhores da literatura universal - certamente ficaria assustado caso pudesse saber que a realidade não mudou praticamente nada de 1873 para cá.

Se o autor de Resurreição porventura ressurgisse, provavelmente seria glamourosamente conduzido à ABL - academia que o tem como patrono. Ali, teria a chance de conhecer ilustres imortais que lhe entregariam exemplares de obras devidamente autografadas. Imagino-o folheando Marimbondos de Fogo, da autoria do contista, ensaísta, poeta e romancista José Sarney (conhecido em todo o Brasil não por dotes literários, mas por outros motivos), de quem receberia convite para ir à tribuna do Congresso. Tal livro seria devorado com o maior interesse; Machado pensaria: “Se foi conduzido à academia tendo escrito tão pouco, deve ser um escritor fantástico!” Mal acabaria sua decepção com aquele que é capaz de qualquer coisa, (até mesmo de ocupar a cadeira de Tobias Barreto na ABL), teria que ver obras gentilmente ofertadas (ou vendidas, graças a alguma virtude desenvolvida no caminho de Santiago) por Paulo Coelho e talvez como Verônika ele decidisse morrer. Ficaria surpreso com o sucesso estrondoso de O Alquimista que vendeu mais nesta década que Machado em quase 3 séculos. Com Santiago, o protagonista, Machado empreenderia viagem em busca do tesouro literário escondido na obra-prima magra do mago. Iria, certamente, arrepiar-se com deslizes linguísticos difíceis de perdoar e, por fim, à semelhança do que ocorre com o personagem central, descobriria que onde julgava haver algo áureo não há tesouro algum; que deveria retornar às obras de seu tempo onde, finalmente, encontraria algo satisfatório. Ao ler Drummond, Quintana, Veríssimo (pai e filho), e Fernando Sabino, se surpreenderia ao saber que estes nunca tenham sido imortalizados. Ao conferir o estatuto da academia, para ver se as regras haviam mudado, veria que ali ainda consta o requisito “ter publicado, em qualquer gênero da Literatura, obras de reconhecido mérito e valor literário”.

Depois de animada conversa com o imortal senador Marco Maciel, autor de obras memoráveis por mim ignoradas e de um breve passeio com Ivo Pitanguy (feito imortal não pelo que fez com a caneta, mas com o bisturi), talvez Machado tivesse um surto de zelo naquele tão profanado templo da cultura, semelhante àquele que levou Cristo a se munir de um chicote e sair derrubando tudo e expulsando gente. Não sei se ele permaneceria com vida ao saber da medalha que Ronaldinho Gaúcho recebeu devido, talvez, às muitas bolas e camisetas que autografou.

No trecho inicialmente citado, uma parte merece destaque:

Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo que fala aos sentidos e aos instintos inferiores?

Ora, Machado, se vivesse hoje entenderia quão enganado estava ao pensar que em seu tempo o gosto público chegara ao ápice da degradação. Imagine se assistisse um pouco do Big Brother, dramalhão supostamente improvisado que se nega a assumir seu caráter de espetáculo (pois tenta passar por representação fiel da realidade), sórdido drama protagonizado por maus atores e atrizes, cheios nos músculos e nádegas, vazios nas mentes. Veria que estes mamulengos da mídia, um milhão de vezes mais que os aproveitadores de sua época, estariam a levar a população ao último grau de decadência e perversão. Além disso, ao ouvir Michel Teló e saber por um transeunte metido a engraçado que este tem sido escutado por todos, menos por Luíza que está no Canadá, talvez concluísse que as cantigas burlescas de seu tempo eram, na verdade, obras primas da literatura universal comparadas a estas que escapariam dos paredões de som (tão em moda atualmente) e feririam seus tímpanos.

Enfim, diante do que veria nas novelas, no Big Brother, filmes, livros, músicas e espetáculos teatrais de nosso tempo, Machado concluiria que nunca na história desse país (saudoso Lula...) tanto se falou aos sentidos e aos instintos inferiores. A que conclusão senão esta poderia chegar o magno escritor comparando a nudez e perversão sexual de hoje com os braços à mostra que lhe renderam uma crônica? O ser humano, veria ele, em qualquer época, tende mais a dar vazão ao  lado animal, mesmo que isso atente contra o progresso intelectual.

Assustado com o que veria, desejaria retornar à tumba. “Hoje sim”, concluiria, “o gosto público tocou o último grau da decadência e da perversão”; hoje poderia reescrever o NOTÍCIA DA ATUAL LITERATURA BRASILEIRA  mudando apenas as datas. Todavia, diante do que vemos, o texto pareceria demasiado brando. Machado esquentaria um pouco mais os neurônios ao falar das imbecilidades de nosso tempo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A (IN)UTILIDADE DA POESIA - Gilberto Cardoso dos Santos)

Perguntaram ao admirável poeta Manoel de Barros: O que é a poesia? Ele respondeu: “Poesia é a virtude de ser inútil.” e acrescentou: “Há várias maneiras de dizer nada. A poesia é uma delas. Em uma das raras entrevistas que concedeu, Manoel de Barros disse que noventa por cento do que escreveu foi inventado, só dez por cento é mentira.
Com o aval de Manoel acrescentaríamos: A poesia é este algo inútil tão útil à humanidade. A poesia dá ao homem a oportunidade de ver o mundo e os seres por ângulos diferentes e até inexistentes. Empresta e arranca das palavras sentidos que causam espanto. O poeta recicla a linguagem comum, converte sons ordinários em notas extraordinárias. É um dizer nada de maneira encantadora. É um falou e tudo se fez, um chamar as coisas que não são como se fossem. A poesia é uma subversão da gramática e dos sentidos: o poema passarinha (grande Quintana) sobre os obstáculos que a linguagem bem comportada impõe. “Escreve-se para chegar ao nada”, disse Autran Dourado. A poesia é um inutensílio, no dizer de Leminski.
Em nossa rádio online, procure a faixa Assaltaram a gramática, na qual o poeta Wally Salomão fala de poetas e da poesia.
Enfim, feliz Dia da Poesia, leitores e poetas, para quem todos os dias é dia de poesia!

Vejam um pouco do documentário premiado sobre Manoel de Barros:


Para ver mais: