domingo, 28 de julho de 2013

A ESTRANHA MÚSICA DE DJAVAN - LAMBADA DE SERPENTE


Um amigo riu quando eu disse que Djavan tem um estilo musical estranho e belíssimo. Mas é isso mesmo que penso. Ele diz coisas e canta em melodias inusitadas, cheias de beleza.
Vejam só que expressão: "Lambada de serpente". Penso que ninguém nunca disse isso antes.
Nosso imaginário se acostumou com o sentido brega, folclórico, que foi emprestado ao termo lambada. Logo pensamos naquelas músicas de ritmo quente, comuns em festas populares de um passado não muito distante.
Mas vamos ao Dicionário Online, impulsionados pela curiosidade que Djavan nos causou, e descobrimos que lambada significa "Golpe aplicado com pau, chicote ou objeto flexível" e no sentido figurado "Crítica severa; descompostura". Claro que também significa "Dança e música sensuais e em ritmo rápido", sentido com o qual estávamos acostumados.
"Nunca ninguém falou como este homem", disseram a respeito de Jesus. Poderíamos dizer algo semelhante à obra de Djavan: "Nunca ninguém cantou como este homem".
Numa entrevista concedida ao jornal TRIBUNA DO NORTE, o cantor se mostrou familiarizado e despreocupado com a aplicação do adjetivo "estranho" à sua obra. Diz ele:

"Quando fui ser ouvido pela primeira vez pelos produtores, já houve essa polêmica. “Você tem algum talento, mas a música que você faz é muito estranha. Não se sabe onde está a primeira parte, é complicado, você tem que mudar isso, fazer uma coisa mais acessível para facilitar sua própria vida.” Tinham razão os que falavam assim, mas outros também disseram: “Não, essa coisa estranha é o seu trunfo, não mexa nisso. Você vai sofrer mais, vai ter mais problemas, mas vá em cima disso”.

A estranheza se dá, obviamente, pelo fato de estarmos a ouvir algo que nos parece inédito. Também por estarmos a ver uma coisa que, à primeira leitura/escuta, não nos penetra o entendimento. Quando nos pomos a tentar acompanhá-lo, sentimo-nos como se nos expressássemos num outro idioma. Sentimo-nos papagaios repetindo o que alguém disse. Todavia, aquilo que só entendemos a custo, nos soa belíssimo, extremamente poético. Por ser poético, compreendemos, trata-se de algo indizível. Temos que nos contentar com o pouco que conseguimos ver, mas que nos faz tanto bem. 

Ouça: LAMBADA DE SERPENTE - Rádio APOESC

Cuidá dum pé de milho
Que demora na semente
meu pai disse meu filho, noite fria, tempo quente

Lambada de serpente
A traição me enfeitiçou
Quem tem amor ausente já viveu a minha dor

No chão da minha terra
Um lamento de corrente
Um grão de pé de guerra
Pra colher dente por dente

Lambada de serpente
A traição me enfeitiçou
Quem tem amor ausente já viveu a minha dor



terça-feira, 23 de julho de 2013

A CIDADE DESARVORADA - Gilberto Cardoso dos Santos


A cidade amanheceu menos verde, menos oxigenada, menos ensombrada.

Pássaros retornaram para seus ninhos, mas, à semelhança da ave que Noé soltou após o dilúvio, não mais encontraram os galhos com que estavam familiarizados, e, diferentemente, não havia arca pra onde retornar... Pequenos insetos voltaram para o seu mundo, mas ele havia sido destruído. Outros se foram com ele.

Sim, a cidade amanheceu com menos árvores, menos pássaros, e com a natureza mais emudecida.

Profissionais, transeuntes, e vendedores ali se ilhavam, protegidos da inclemência solar e a rotina se tornava doce.

Aquela árvore frutificava em sorrisos, amores, olhares brilhantes. Clientes de banco ou familiares que ficavam à espera, desfrutavam de um tesouro que não cabe nos cofres.

Quantas mãos ali se apertaram, quantos abraços ali foram dados quanto dinheiro ali se contou! Era um dos poucos lugares onde pobres e ricos se encontravam, atraídos pelos instintos poderosos de nossas origens silvícolas.
                                                                                      
Ali, as motos esfriavam seus motores. Como uma mãe, a árvore as ninava, botava-as para dormir. “Aquietem-se! O povo está cansado desse barulho!”...

A conversa fluía com mais facilidade, o tempo deslizava mais suavemente.

Era uma sala (ao ar livre) de terapia para os mais idosos, uma ponte entre nós e a floresta. Uma mão da mãe Gaia que nos acariciava e nos protegia contra o sol e o tempo inclementes.

Era um oásis de sombra na selva de pedra. Ela nos pertencia, e foi-nos tirada sem que percebêssemos. 

Em A Árvore da Serra, de Augusto dos Anjos, o filho agarrou-se com o tronco e gritou: "Não corte a árvore, meu pai, para que eu viva!". Ele teve a chance de clamar em sua defesa, mas nós não tivemos essa oportunidade. E quando a árvore tombou, certamente também levou consigo um pouco de nós como ocorreu com o filho no poema.

A cidade amanheceu desarvorada. Desarvorada no sentido mais amplo. Desarvorado significa ficar transtornado, confuso, desorientado. E foi assim que se sentiram os que tiveram suas retinas feridas ao chegarem na praça, pois puderam enxergar melhor os riscos que corremos. 

Sentiram-se ofuscados pelo desapontamento.

Ao votar, sempre esperamos benevolência, sombra e água fresca dos que elegemos. Sonhávamos e ainda sonhamos com uma melhor gestão do meio ambiente. Mas a cidade, menos ensombrada, tornou-se assombrada com a possibilidade de ser engolida pela modernidade insana.

Não se sabe que razões levaram a atual gestão a fazer isso. O motosserra com sua voz irritante tentou explicar-me, disse que são ordens do progresso, mas não entendi bem o que me disse. Talvez os que a derrubaram também nada saibam. Apenas se lhes pediu que pusessem o capuz e se fizessem carrascos. Foram meros instrumentos da lei. Não sabemos como se sentiram ao dormir, com as mãos cheias de seiva...

Desmatar é matar.

Acho que os gestores públicos, à semelhança dos países democráticos onde há pena de morte, deveriam ter todo um protocolo ao praticarem tais penas. Burocracia aqui nunca seria demais. Tudo deveria ser examinado e reexaminado, prós e contras apresentados. Deveriam deixar bem claro à opinião pública as razões que os fazem exterminar tais e tais indivíduos e fazer tudo sem muita pressa para evitar o risco de matar uma inocente. Se tudo fosse antecipadamente esclarecido, quem sabe, não nos convencêssemos da justeza do que foi feito?

Cem ou mais árvores plantadas em seu lugar jamais substituirão aquela árvore. Mas ao menos gostaríamos de ter a certeza de que outras serão plantadas como consolo, assim como os pais que perdem um filho e tentam substituí-lo com outro...

Dizem que esta árvore era um marco da cidade, mas não era. Era um marco da natureza e da história,  um dos poucos que ainda nos restavam.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

OS ENDIVIDADOS - Gilberto Cardoso dos Santos


Quem tem contas a pagar
Não pode dormir direito
Pois sente um peso no peito
Na hora que vai deitar
Dá vontade de chorar,
Por não poder fazer nada
E tem que ouvir piada
De quem não entende o drama
Não há sossego na cama
Pra pessoa endividada.

Se o cara é acostumado
A pagar tudo que deve
Nem a sorrir se atreve
Quando está endividado
Passa o dia aperreado
Buscando uma solução
Fica naquela aflição
Pensando em limpar o nome
Vai comer mas não tem fome
É triste a situação.

Se o cabra é mau pagador,
Vai comprando sem pensar
Deixa o cartão estourar
Gasta sem nenhum pudor
Seu nome não tem valor
Mas ele não se importa
Gastos supérfluos não corta
Não tem medo de ameaça
E fica fazendo graça
Quando o credor bate à porta.

Já o cidadão direito
Que é pobre, mas honrado,
Só pensa em comprar fiado
Quando vê que não tem jeito
Quer manter um bom conceito
Perante a sociedade
E quando a calamidade
Faz quebrar o prometido
Ele se sente perdido
Sem a credibilidade.

São poucos, infelizmente,
Os homens que pensam assim
Eu digo e tiro por mim
Que procuro ser decente
Compro à vista geralmente
e quando deixo a pagar
tenho medo de falhar
na data dos compromissos
compras, com os seus feitiços
não conseguem me comprar.

Porém qualquer cidadão
Pode cair em cilada
Já vi muito camarada
Em triste situação
Por confiar num irmão
Sendo traído por sócio
Acaba sendo um beócio
Depois fica angustiado
Como quem morre afogado
Pensando no mau negócio.

Alguns acabam surtando
Ao pensar no que fizeram
E tanto se desesperam
Que acabam se matando
Isso finda piorando
O drama familiar
Pois além de não pagar
Deixa a família sofrendo
é melhor ficar devendo
que a própria vida tirar.

Muita calma nessa hora
é o conselho a se dar
porque se desesperar
aí a coisa piora.
Não deixe a paz ir embora
            Não aja feito criança
            Alimente a esperança
            Reme com tranquilidade
            E ao passar a tempestade
            Há de chegar a bonança.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

NA FEIRA DE SANTA CRUZ - Gilberto Cardoso dos Santos


 (mote de Jarcone Vital)

Tem carregador de frete
que foge com nossa feira
se o caba meter carreira
e alcançar o pivete
não pode dar um bofete
nem com ordem de Jesus
se a polícia o conduz
solta na beira da estrada
tem tudo e não falta nada
na feira de Santa Cruz

Na seção dos mangaieiro
Tem todo tipo de chá:
Capim-santo, manacá
Cabacinha, marmeleiro,
Tem casca de juazeiro
E banhas de tivassus
Ninguém se lembra do SUS
O chá resolve a parada
tem tudo e não falta nada
na feira de Santa Cruz

Tem muita mulher solteira
Muita menina cabida
Goma de beiju, batida
De limão e de carteira.
Tem punhal e tem peixeira
Garrafada de mastruz
Ovo de pato, avestruz
Banana podre esmagada
Tem tudo e não falta nada
Na feira de Santa Cruz.

Tem mulher que sai nas bancas
Se sacudindo faceira
Tentando fazer a feira
Com o balanço das ancas.
Diante dessas potrancas
O matuto se seduz
Acaba criando pus
Na região gangrenada
Tem tudo e não falta nada
Na feira de Santa Cruz.

Coco verde, coco seco,
Óleo de coco, cocada,
Quenga de coco raspada
E muita quenga no beco
Na banca de seu Pacheco
Que o preço jamais reduz
Sua mulher descompus
Pela carne mal pesada
Tem tudo e não falta nada
Na feira de Santa Cruz

quinta-feira, 4 de julho de 2013

MORRE MAIS UMA VÍTIMA DA CRIMINALIDADE - Gilberto Cardoso dos Santos



Eu não a conheci e meu objetivo aqui não é o de apresentar os fatos a seu respeito como num boletim de ocorrências.

Sei que se chamava Josefa, que cresceu carinhosamente sendo chamada de Zefinha, que depois passou a ser chamada respeitosamente de Dona Josefa e que frequentava atualmente a Igreja Mundial do Poder de Deus.

Na semana passada, enquanto voltava da igreja com uma menina de mais ou menos 11 anos, foi abordada por um jovem alto e mascarado, perto de um lugar comumente chamado Os Coqueiros, no Bairro do Paraíso.

Este saiu do matagal, encostou a arma na barriga da menina enquanto pedia seu celular e depois exigiu da mulher a entrega da bolsa.

A reação física imediata da senhora,  foi a de desmaiar, cair para trás. Aparentemente, bateu com a cabeça na parte dura do asfalto. Encontraram seu corpo em estado de convulsão, urinado.

O marginal sumiu na escuridão levando sua bolsa com a Bíblia dentro.

Naquela noite, um pai desesperado juntamente com a polícia local arriscou sua vida até altas horas tentando localizar o assaltante. Depois retornou para casa, desolado, amargurado pela infrutífera busca, indignado pelo drama vivido por sua filha e por aquela senhora que lhe servira de companhia.

De lá para cá, dona Josefa não foi mais a mesma.
Hoje, muito triste e surpreendida, a menina me disse na escola que dona Zefinha morreu.

Chegou a ser internada. Grandes foram os abalos físicos e psicológicos pelos quais passou naquela noite que lhe parecera de bênçãos. Hoje, quem sabe, ao dar seus últimos suspiros, desejou ardentemente partir deste mundo violento para outro lugar também chamado Paraíso onde viverá em paz sem necessidade de policiais e de um posto policial por perto.

As promessas bíblicas, convictamente repetidas por seu líder religioso de que “Mil cairão à esquerda e dez mil à tua direita e tu não serás atingido”, não foram suficientes para o estado de violência que se vive em Santa Cruz.

Não sei exatamente onde ela morava, só sei que provavelmente não morava no Paraíso, embora tivesse sua residência neste bairro onde lhe tiraram a bolsa, a Bíblia e a vida.

Morreu vítima da insegurança que nos tem amedrontado tão intensamente. Não se sabe quem estava por trás da arma, mas fazemos uma ideia de quem e do que está por trás desse estado caótico que nos assusta.

Lamentavelmente, perdemos mais uma cidadã cumpridora de seus deveres, alguém que vivia sob o temor de Deus e das autoridades; alguém que vivia em simplicidade e anonimamente deu sua parcela de contribuição para a melhoria de nossa gente. Morre vítima de uma abordagem estúpida, covarde, feita às 8:30 da noite em uma movimentada rua do Paraíso por alguém que contava e ainda conta com a certeza da impunidade.


Resta-nos indignar-nos por mais esta perda, chorar com os que choram. Resta-nos tentar contribuir, ainda que seja através de uma pequena crônica, para que mude esta situação!


segunda-feira, 1 de julho de 2013

CRIMINALIDADE ENTRE NÓS: ATÉ QUANDO? - Gilberto Cardoso dos Santos


Os assaltos, furtos e assassinatos continuam a suceder na Cidade Santuário. Nem santa nem leve é a cruz que temos carregado ultimamente.

Isso se tornou tão corriqueiro que os blogs nem mais se preocupam em noticiar, ou as pessoas não buscam mais os blogueiros para falar-lhes de suas angústias. Alguns devem temer represálias e outros sabem que tais notícias não mais causarão impacto na sociedade. De tão comuns, não aumentam os acessos.

A polícia, penso eu, acha-se sobrecarregada com tantas queixas e denúncias. Sente-se acuada e impotente diante da criminalidade crescente. Cheia de boas intenções mas, tolhida em suas ações por leis que favorecem a criminalidade, por insuficiência em seus quadros e falta de equipamentos e armamentos adequados. Feito um bicho valente, mas ferido e atacado por hienas.

Parece-me que a própria polícia e órgãos governamentais não têm muito interesse em divulgar tais fatos corriqueiros para não piorar a imagem daqueles de quem se espera solução.

Ontem, por exemplo, uma menina de seus 12 anos voltava da igreja com uma vizinha. Para sua surpresa, foi abordada no caminho para casa por um sujeito que pediu-lhe o celular. Eram 8:30 da noite. A menina, nervosíssima ante a surpresa, disse: “Moço, eu não tenho celular”, e de fato não tinha. Tentou correr, mas o jovem mascarado a segurou pela cintura e encostou um revólver em sua barriga. A evangélica mais velha com quem ia, não resistiu e caiu desmaiada. Chegou a urinar-se de tanto medo. O cara correu (ainda bem!) levando-lhe a bolsa onde havia uma Bíblia (torço muito para que ele a abra aleatoriamente e que caia no “Não furtarás”).

Há uns 4 dias, uma colega professora foi assaltada bem pertinho de casa. Levaram-lhe um celular e tudo o que lhe restara do salário mensal. Disse-me ela:


“Parece uma piada, faz mais de 1 ano que passo a semana em Natal e nunca fui assaltada por lá, quando chego aqui em Santa Cruz sou surpreendida por 2 rapazitos em uma moto e me levam o celular e o pouco que me sobrou do salário que recebi hoje.
Aí eu te pergunto: é pra rir ou chorar dessa situação? Nossa, está ficando arriscado andar pelas ruas de nossa cidade!!!”

Cito um último caso dentre os vários que conheço:
Assaltaram na outra semana, no sábado, pela segunda ou terceira vez, a casa de verduras que fica na rua da galeria.

Estes e outros crimes ocorridos em nossa cidade não têm sido noticiados com a frequência e intensidade com que se fazia antes. Tenho certeza que muitos outros estão ocorrendo sem que a população tome ciência deles.

Esta falta de informação sobre o que continua ocorrendo em Santa Cruz pode ser fatal para alguns que porventura venham a pensar que tudo voltou à normalidade.

Há uma clássica historinha de como se cozinhar uma rã que serve para ilustrar o que pode se dar conosco: para cozer uma rã, ponha n’água fria e vá esquentando a água aos poucos. A princípio, a aguinha morna, deliciosa, faz com que a rã não salte. Como vai esquentando aos poucos, esta nem percebe e acaba morrendo cozinhada.

Corremos o risco de nos acostumar com o que ocorre em nossa cidade. O valor da vida passa a ser banal para nós também. A aparente inevitabilidade do que de mal nos ocorre pode nos levar a cruzar os braços e a aceitar o estado caótico em que ora vivemos.

De algum modo, é necessário dar um basta nisso tudo. Precisamos arrancar a cizânia antes que esta se espalhe. Políticos, policiais, juízes, promotores e cidadãos conscientes: busquemos uma solução enquanto é tempo!