domingo, 15 de janeiro de 2012

ENTREVISTA COM A POETISA SIRLIA SOUZA DE LIMA - EDUCADORA, POETISA E MEMBRO DA ANLIC


Sírlia Sousa de Lima é Pedagoga, Especialista em Educação Infantil e descobriu nos versos do cordel uma maneira de encantar e ressignificar a leitura literária por meio de obras inéditas e releitura de clássicos em versão de cordel.

Como Educadora Infantil do Município de Natal, fez de sua sala de aula um verdadeiro laboratório onde os alunos do CMEI padre Sabino Gentille, seus maiores inspiradores além dos Professores e alunos da Rede pública de Natal que incentivam os escritores de nossa terra valorizando a cultura Potiguar.

GILBERTO: Olá, poetisa, Sirlia:  

Conforme sugeriu, disponho-me a ouvir os demais membros da ANLIC.

Fale-nos sobre sua pessoa, obras e trabalhos que desenvolve.

SIRLIA:   Sou Educadora por vocação, poeta por inspiração, nasci em Mossoró, tendo vindo para Natal ainda criança, minha história com a educação começou  quando cursei o Ensino Médio optando pelo Magistério, uma tendência das mulheres da minha família por  parte de mãe,daí fui me apaixonando pela profissão e até hoje não me reconheço em outra, mesmo diante de tantas dificuldades.Casei- me aos 16 anos e dei uma pausa nos estudos devido as dificuldades da época, fui mãe aos 17 anos ,no ano de 1984, época da hiperinflação, desemprego, etc. Tive que viajar para outro Estado em busca de dias melhores, passei 2 anos no Estado de Rondônia e acabei voltando com meu esposo e já com a segunda filha  para Natal, na volta tudo foi mais fácil, encontramos emprego rápido e tudo foi se organizando. Quando volto a Natal  2 anos depois, engravido da minha terceira filha, aí já viu... Tive que adiar a minha carreira por um tempo, embora nunca perdesse o hábito de estar sempre em busca do conhecimento. Aos 38 anos fui aprovada para o curso de Pedagogia no Vestibular da UFRN e hoje já concluí uma Especialização Em educação Infantil, Já Atuo há 3 anos enquanto Educadora Infantil, concursada pelo município de Natal.Tenho Um Projeto Literário em que atuo em outras escolas disseminando a literatura de cordel e despertando o prazer pela leitura, para pessoas de todas as idades, visto que tenho produções para todas as modalidades de ensino. Meu Projeto é: Projeto Bem Te Vi: Inspirando leitores e promovendo talentos da literatura de cordel nas  Escolas.  Consiste em trabalhar textos temáticos utilizando a literatura de cordel, para interpretá-los, recriá-los, e produzir também capas desses cordéis, assim como deixar os alunos livres para produzir suas criações. Fazemos uma seleção e o melhor trabalho da turma é publicado e esse aluno ganha um premio educativo, simbólico, visto que o projeto é realizado com recursos próprios. Este ano, mais feliz ainda porque vou completar trinta anos de casamento com o homem que a cada dia me faz sentir amada e o qual eu amo sempre mais a cada dia, digo sempre que ao lado dele eu “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor...”


GILBERTO: Como e quando se deu seu despertar para a poesia e para a importância da leitura?


SIRLIA:   Quando fui aprovada para o  concurso de Educadora Infantil do Município de Natal e toda a minha experiência relacionada com a prática de ensino era com o Ensino Fundamental, ainda na UFRN, em 2008, comecei a produzir textos em cordel , o que se tornou uma paixão pessoal, a qual eu conduzi para a vertente da Educação e tem sido um sucesso.Produzi em meu espaço educativo cordéis, livros ilustrados com texto em cordel que aguçou a imaginação e o prazer das crianças.Tanto é que meu trabalho ultrapassou os muros de minha escola e se disseminou por Natal e pouco a pouco No Rio Grande do Norte, Recebi um email da Diretora de uma Rede particular de Brasília, agradecendo por minhas criações infantis, afirmando ela que meus textos estão sendo trabalhados em todas as escolas dessa rede, é isto o que me deixa feliz, saber que o que produzo, está provocando o leitor de alguma forma.

GILBERTO: Qual a importância da Literatura de Cordel para os dias atuais?

SIRLIA:   Considero a literatura de cordel,um gênero literário maravilhoso, simples de compreender , rico de musicalidade, rima, métrica, além de ser um veículo de informação de baixo custo onde assim como em outros gêneros literários, você pode encontrar textos com boa qualidade, ou de baixa qualidade.

GILBERTO: Cite nomes de alguns cordelistas a quem admira ou que exercem influência sobre seu estilo. Quais os melhores cordéis que já leu?


SIRLIA: Gosto muito do Poeta José Saldanha, do Antonio Francisco, e daqueles cordéis tracionais: Coco verde Melancia, Pavão Misterioso de José Camelo de Melo Rezende, aqui no RN  gosto do Boquinha de mel entre tantos outros. O que mais me influencia é a apaixonante obra de Patativa de Assaré, gosto muito de escrever obras de cunho sócio político e o meu pensamento se converge com o de Patativa em alguns momentos.
 
GILBERTO: Fale-nos um pouco como ocorreu a criação da ANLIC e quais os critérios de escolha que permitiram a você assumir uma das cadeiras.

SIRLIA:   Surgiu por meio da Luta de diversos poetas norteriograndenses entre eles o nosso poeta amigo de tantas parcerias, o Hélio Gomes, do qual fui parceira do Projeto Cordel No Shopping por 2 anos.Não foi feita assim, na correria não, Tivemos muitas reuniões, todas com atas, registrando tudo o que foi votado e aceito por todos de forma democrática. Inclusive ontem, houve reunião e foram relidas todas as atas das reuniões anteriores, onde todas as afirmações que o Poeta deu, se contradizem pelas provas documentais. Digo mais, achamos precipitada a sua saída e todos foram unânimes em solicitar a sua volta, estavam pensando em fazer abaixo assinado. Quanto aos critérios, foi lido um documento sobre estes critérios, resumindo os acadêmicos tem que ter algum elo com a literatura de cordel, seja como produtor de texto, xilogravurista, em meu caso foi o trabalho com o cordel voltado para a educação, onde já tenho mais de 10 livros e por volta de 150 textos em cordel todos produzidos de 2008 até agora. Meus textos se encontram no Recanto das Letras, visite! (Sírlia Lima - Textos - Recanto das Letras )

GILBERTO: Após ler a ENTREVISTA COM POETA HÉLIO GOMES você sugeriu que eu buscasse ouvir outros membros da ANLIC. Qual sua versão para os fatos ocorridos, que redundaram na renúncia do vice-presidente? Como e quando teve início essa discórdia? Particularmente você tem alguma ressalva quanto ao Projeto Cordel no Shopping?

SIRLIA:   Vou começar falando do Cordel no Shopping, este projeto, causou  inveja em algumas pessoas do meio da poesia, que ficavam paradas no tempo, quando viram o sucesso do Cordel no Shopping, começaram a criticar, isso é normal, faz parte em todos os setores, Funcionava assim, convidávamos poetas para declamarem, convidamos atrações musicais, para não tornar o evento cansativo. Eu já levei por diversas vezes amigos meus músicos de qualidade, para difundir cultura, o Hélio sempre pensava num tema e lá fazíamos lançamentos de cordéis, os alunos premiados do meu Projeto participavam do Evento, era lindo...
Como você já sabe a nossa Academia, é recém criada, ainda temos que dar muitos passos, foi acertado que no mês de março os Patronos da Academia, foi então que soube que  O Hélio iria homenagear os patronos no Cordel no Shopping, nada contra porém deveríamos deixar que a Academia fizesse isto em primeiro lugar,afinal o Cordel no Shopping já é um sucesso e temos tantos outros temas para abordar. Quanto ao Cordel no Shopping é como eu já disse um Projeto muito bom!

GILBERTO: Que espera dos demais membros, para evitar que tais discórdias venham a se repetir?

SIRLIA:   Ontem na reunião conversamos sobre tudo isto, e vamos até criar uma comissão de ética para que não ocorra mais desagravos dessa natureza.Todos  que quiseram se expressar tiveram oportunidade e todos quase numa só voz ,querem o Bem da Academia e que a paz  possa prevalecer.

GILBERTO: Quais as maiores dificuldades enfrentadas por essa recém-nascida instituição?

SIRLIA:  As dificuldades são as de todas as instituições culturais, que iniciam, processos naturais como formalização da Instituição, criação de documentos, vamos aprendendo a cada dia.

GILBERTO: Brinde-nos com uma poesia de sua autoria.

SIRLIA:  Produzi este na semana passada, já em 2012!

Bullying: Chega de dor, cultive o amor!

Sírlia Sousa de Lima



É duro ver as pessoas

Tristes, sentindo dor

Tudo sendo provocado

Pela falta de amor

Que destrói a humanidade

E tem causado tanto horror



Bullying  se origina

Do inglês a expressão

Derivação do bully

Tirinete ou valentão

Utiliza-se da violência

E da intimidação



Quem pratica Bullying

Age com truculência

E é considerado

Agente da violência

É um agressor barato

Da vítima não tem clemência



O Bullying está em todas

Tudo pode acontecer

Ninguém tem tranqüilidade

Corre o risco de morrer

Por causa da intolerância

E por questões de poder



A sociedade quer dar um basta

Nessa forma de cinismo

Não pode mais calar

Ajudando o banditismo

Porque quem cala consente

Vive a beira do abismo



As formas de agressão

Não seguem uma lógica

Pode ser violência física

E também psicológica

Também cometem homicídios

Chegando a ser patológica



Às vezes tudo começa

De uma simples brincadeira

Vai ferindo os sentimentos

Falando muita asneira

Chamando atenção para si

Com o amigo faz zoeira



Na escola o professor

Tem papel especial

Deve ser defensor

Combater esse mal

Menina de perna fina

É“Canela de pardal!”



Moça bonita é sereia

As negras não têm lugar

A não ser para serem cobaias

Motivo de  chacoalhar

Moça gorda é baleia

Usam animal para comparar



As mulheres com bichos

Sofrem comparação

Muitas são tidas por cadela

No Funk a exposição

Degradando a mulher

Que não faz reflexão



Ouvem o lixo cultural

Que vem dessa expressão

Desmerecendo a mulher

Delas tendo a permissão

Deixando-as no subsolo

Da desmoralização



Ao invés de combater

Muitas delas sem noção

Vão cantando essas músicas

Requebrando até o chão

Recebendo incentivo

Da mídia, da televisão



Considerada como objeto

Mulher é preferencial

Seus corpos são expostos

No close do comercial

Hoje a mulher virou produto

Muito barato e banal



É preciso reagir

E impor nosso respeito

Como podem nos respeitar

Se não agirmos direito?

Devemos usar a cabeça

Não o silicone do peito



Só querem ser cachorras

E depois vão reclamar

Quando seus pitibus

Querem lhes acorrentar

Vão levando bordoadas

E se põem a chorar



Eu já sofri o  Bullying

Como educadora reflito

Tão magra eu era chamada

De “Olívia Palito”

Eu era intimidada

Hoje eu lanço esse grito



Ninguém mais ouve cantiga

Do tengo telengo tengo

Hoje os brinquedos são armas

Como vimos em realengo

Ou em briga de torcidas

Seja Corinthians ou Flamengo



Meu colega por ser negro

Sofria humilhação

“Picolé de petróleo”

Era essa a expressão

Para se dirigir a ele

Não tinham contemplação



Em qualquer lugar

O Bullying se faz presente

Os pais comparam os filhos

Tem sempre um que sente

Que ninguém é igual

Cada filho é diferente



Outros pais constrangem

Falam coisas sem pensar

Que a vida do filho

Para sempre irá marcar

Sempre bons exemplos

Transformam o educar



Tem pais que tratam os filhos

De forma bem ausente

Põem a culpa no trabalho

Se mantendo indiferente

Não importa o vazio

Que o seu filho sente



Têm outros que tratam os filhos

Como galos na rinha

Incentivando as brigas

Para mantê-lo na linha

De futuro agressor

Que educação mesquinha



As tragédias se sucedem

Pela morbidade social

Que perdeu as rédeas

Da educação geral

Em casa ou na escola

O Bullying é um grande mal



Conclamo a todos

A sociedade em geral

Vamos disseminar o amor

O Bullying é visceral

Ou então voltaremos

A era medieval

GILBERTO: Quais seus projetos pessoais e como membro da ANLIC para 2012 e anos vindouros?

SIRLIA:   Como Membro da ANLIC e como educadora e poetisa que sou só peço  a Deus, sapiência, paciência e prudência para que eu possa continuar desenvolvendo meu trabalho com o respeito e o carinho que recebo dos colegas poetas, dos professores  e alunos do Rio Grande do Rio Grande do Norte,especialmente os de Natal com quem atuo de maneira mais próxima.

GILBERTO: Deixe-nos suas palavras finais e  um texto para reflexão.

Espero que a poesia
A paz ao outro emita
Quem tem amor não se irrita
Se ferir ao outro reflita
Pelo amor de Deus
E também de Santa Rita

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ENTREVISTA COM O POETA HÉLIO SOARES -- COORDENADOR DO PROJETO CORDEL NO SHOPPING

O entrevistado, Hélio Gomes Soares, nos fala de sua luta em defesa da cultura popular e das razões que o fizeram renunciar à vice-presidência da ANLIC.
GILBERTO: Caro poeta Hélio Soares, além de poeta, você é um grande apologista e defensor da cultura popular. Quando percebeu seu talento para a poesia e  teve início sua batalha pela cultura?

HÉLIO SOARES: Sim, me considero um defensor da cultura do povo. Tenho me envolvido em movimentos de bairro e na política partidária, fazendo opção por um partido de vanguarda e de oposição (hoje o PT não é mais oposição, e lamentavelmente largou suas origens). Queria com isso fortalecer a luta em defesa dos trabalhadores e dos menos favorecidos da nossa sociedade. Levei esse propósito para a luta sindical, onde cheguei a ser Presidente do Sindicato  dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no RN - SINTSEF/RN. Decepcionado com a política, encontrei no movimento cordelista oportunidades para promover a mobilização e a consciência crítica, tanto da categoria como a do povo. Com isso me interessei efetivamente pela poesia popular, a partir de 2007. Na verdade, tenho mais me identificado como escritor de poesia de cordel do que propriamente poeta cordelista, no entendimento de que o poeta é o que declama naturalmete, sem ajuda do folheto.

GILBERTO: Qual a importância do cordel nos dias atuais? É hoje tão importante quanto o foi em tempos passados?

HÉLIO SOARES: Cada tempo tem sua história específica, seu momento singular. A importância do cordel no tempo é relativa. Nos dias atuais, vejo a cultura cordelista ocupando outras abordagens e espaços: O cordel na escola, atuando como recurso pedagógico; no shopping, compartilhando mercado com outras literaturas; no hospital, servindo de instrumento terapêutico; na política, pedindo voto ou reivindicando melhorias sociais e etc. No passado, o cordel levou os fatos que se sucediam nos grandes centros urbanos aos povoados distantes. Promoveu o exercício da leitura (ainda hoje promove) e exerceu, de certa forma, o papel da comunicação social, que hoje é desempenhado com tanta competência, através das novas tecnologias.  Mas essa importância ainda permanece viva no cordel da era da tecnologia virtual. Vejo folhetos provocando o debate sobre a realidade social, levando a informação e o conhecimento de maneira graciosa. Vejo o cordel ser útil nos processos terapêuticos, educativos e como alternativa de lazer e entretenimento, numa sociedade carente de paz e de qualidade de vida.    

GILBERTO: Fale-nos de sua profissão e sobre as atividades que desenvolve para tornar o cordel cada vez mais conhecido e apreciado.

HÉLIO SOARES: Sou servidor público federal. Como autônomo, sou arquiteto. Além disso, tenho formação em Administração,  licenciatura em Ciências da Religião, especialização em Educação Ambiental e também em Educação Holística e Qualidade de Vida. Hoje estudo Gestão de Políticas Públicas na UFRN. Como servidor que fui da Superintendência do Patrimônio da União, colaborei na coordenação do Projeto Orla, onde levei o cordel às praias, para  servir de instrumento informativo e pedagógico. Essas experiências acadêmicas e profissionais têm contribuido para com a qualidade da informação dos folhetos que produzo, e facilitado alguns contatos estratégicos para a inserção do cordel em espaços, que antes não era permitido. Dessa forma, com um pouco também de ousadia, tenho levado a cultura cordelista para um mercado sofisticado, como são os shoppings, onde desenvolvo o Projeto Cordel no Shopping, entrando já no terceiro ano de sua edição.


GILBERTO: Um de seus grandes sonhos era ver constituída uma academia estadual voltada para a Literatura de Cordel, nos moldes da ABLC. O sonho foi realizado. Que pessoas tiveram maior empenho para que isso se tornasse possível? 

HÉLIO SOARES: Permita-me uma correção: Não sonhava com uma academia nos moldes da ABLC. Acho até que a cidade onde ela está localizada não corresponde aos reais desejos dos poetas do povo. O Rio de Janeiro não tem tradição em cordel. O lugar de uma academia nacional seria aqui no nosso Nordeste. Outra correção: Meu sonho também não foi realizado com a criação da Academia Norte-Rio-Grandense de Cordel. A forma pela qual ela fora construída, sem o debate mais amplo, com a participação dos poetas do interior, não condiz com o que sonhei. O autoritarismo que já ronda nas decisões de alguns "mandões", membros da Diretoria, também me decepcionou. 

GILBERTO: Você foi eleito vice-presidente da ANLIC (Academia Norte-Riograndense de Literatura de Cordel). Todavia, mal tomou posse, pediu renúncia do cargo. Quais as razões que o levaram a isso? Como se sente após tais episódios?

HÉLIO SOARES: Sinto-me aliviado por sair de uma instituição, onde alguns obedecem cegamente a ordem de alguém autoritário, ultra-conservador e incompetente de promover a união e a solidariedade da categoria. Como já falei, desenvolvo  um projeto que promove a cultura solidária de cordel (Cordel no Shopping), cujos encontros ocorrem uma vez por mês, na Livraria Siciliano (hoje Saraiva), às 19:00h, onde este ano entra na sua terceira edição. Disse que pretendia homenagear os saudosos poetas que se tornaram patronos da ANLIC, com a participação dos seus familiares. A programação do evento seria combinado com a família do patrono e com o seu respectivo poeta acadêmico. A idéia não foi aceita por um dos dirigentes que se acha dono da Academia, e daí ele procurou detoná-la, pressionando a Presidenta para proibir tal iniciativa. Argumentaram outros que esse tipo de homenagem é de exclusividadade da Academia. Um outro dirigente sugeriu a proibição de qualquer acadêmico nos eventos que tratassem dessas homenagens, no Cordel no Shopping. Em contrapartida, argumetei que o Cordel no Shopping é uma iniciativa independente, autônoma, e que nenhum colega deva agir contrário a sua vontade. Acrescentei que a Academia é livre para fazer as suas homenagens como achar melhor, mas que ela não tem o direito de proibir que o Cordel no Shopping realize também as suas. Com isso, fui acusado de provocador, anti-ético e criador de fatos sem nexos com a verdade. Assim, para o bem da cultura cordelista, não tive outra alternativa, a não ser apresentar a minha renúncia, tanto do cargo de Vice-Presidente como da condicão de membro daquela instituição.

GILBERTO: Qual o mais difícil a seu ver: criar a ANLIC  ou mantê-la (leve em conta aspectos financeiros e de relacionamento)?

HÉLIO SOARES: Não esperava que a criação dessa Academia fosse dessa forma, tão apressada, sem discussão ampla, sem a participação dos poetas, principalmente, do interior do Estado. Assim é fácil criar qualquer instituição. Mas digo que, tanto no processo da criação como na manutenção, tem os aspectos financeiros e de relacionamentos, que precisam ser tratados com habilidade e competência adminstrativa, levando em conta a capacidade de liderança, confiança, carisma, honestidade e outros valores subjetivos da pessoa. Em diversos debates ocorridos durante a fase das escolhas dos acadêmicos, fui voto vencido. 

GILBERTO: Dos que foram eleitos, conheço pessoalmente José Acaci, Crispiniano Neto e Xexéu. Sei que Antônio Francisco também foi eleito. Fale-nos sobre estes e outros nomes contemplados e  sobre os critérios de escolha.

HÉLIO SOARES: Todos esses listados acima são merecedores de elogios. Conheço Acaci e Antônio Francisco pessoalmente. Ambos são maravilhosos. O Xexéu é famoso, e demonstrou ser humilde na posse, onde foi muito procurado e aplaudido. Gostei dele. Os demais também têm suas qualidades, mas uns poucos precisam dimunuir a arrogância.

GILBERTO: Que mensagem você daria para os membros da ANLIC? 

HÉLIO SOARES: Que não sintam-se subjugados. Todo poeta deve ser livre.

GILBERTO: Brinde-nos com uma poesia de sua autoria

HÉLIO SOARES:

Importante pra os poetas
É a nossa Academia
Mas que deva dar valor
À plena democracia
Ao respeito das idéias
Como a livre poesia

   Pro cordel não se pebar
   No mando da ditadura
   Não cair no esquecimento  
   Feito múmia em sepultura
   Deve então ter Academia
   Liberdade sem frescura 
    


GILBERTO: Fale-nos de suas obras, dos projetos a curto, médio e longo prazo, deixe-nos suas palavras finais e algum texto para reflexão.

HÉLIO SOARES: Tenho feito alguns cordéis com temas populares. São muito procurados nas feiras e no mercado, de modo geral. Estes, eu tenho doado pra alguns poetas, vendedores de folhetos. Mas os temas da minha preferência são aqueles provocadores da consciência, que questionam a razão das coisas, que promovem a reflexão sobre a realidade. Com a minha desistência da ANLIC, pretendo trabalhar a idéia da Academia de Cordel da Região Metropolitana de Natal, ou simplesmente, Academia Metropolitana, que aglomerá os poetas residentes nos municípios de Natal, Parnamirim, São José de Mipibu, Nísia Floresta, Ceará-Mirim, Estremoz, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e Ielmo Marinho, totalizando 9 municípios. Defenderei a proposta de que seus primeiros acadêmicos se tornarão patronos quando morrerem, ou seja, a Metropolitana não terá patronos no momento da sua criação. Também defenderei a proposta de não terá um número fechado de 40 membros, podendo ter mais ou menos. Será exclusiva dos poetas cordelistas. Quanto ao Projeto Cordel no Shopping, pretendo desenvolvê-lo com parcerias, mas afirmo que farei as homenagens a todos os saudosos poetas populares, que estejam ou não vinculados à ANLIC. Estou também trabalhando a idéia de levar a experiência do Cordel no Shopping para o Teatro Alberto Maranhão. Bem, tudo isso será feito com o espírito da solidariedade, pois acho que nós poetas, formadores de opinião, temos o compromisso com as mudanças sociais. Temos que assumir essa responsabilidade para com o social, exercitando a generosidade e promovendo a cultura de paz.     


sábado, 7 de janeiro de 2012

A MENINA DOS OLHOS DE DEUS - Gilberto Cardoso dos Santos



Para o apologista cristão Dwight Moody, deve-se ler a Bíblia como quem come peixe.
Traíra é um peixe muito gostoso, mas tem muitas espinhas. Ler a Bíblia é como comer traíra. Tem que ter cuidado. Falo isso por experiência própria, pois acabei me engasgando com alguns versículos. Mas entre um texto dif icil e outro - principalmente no Velho Testamento - é possível encontrar partes carnudas e deliciosas, como Zacarias 2:8:

"Pois assim diz o Senhor dos exércitos: Para obter a glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar em vós toca na menina do seu olho.


Hoje, um feirante evangélico que  tem uma perna mais curta que a outra abordou-me. Queria testemunhar.

- Ei, lembra daquela mulher crente que vendia fruta aqui ao lado de minha banca?
- Lembro sim.
- Pois bem. Eu sei que você não é crente, mas é um homem entendido do evangelho. Essa minha banca era maior. Aí, há umas duas ou três semanas eu trouxe essas outras banquinhas pra completar meu espaço. E a irmã não gostou, achou que eu tava tomando o canto dela. Eu fui explicar pra ela que antes minha banca ia até aquela parte mas ela não entendeu e foi chamar o marido. Quando pensei que não chegou o marido dela, brabo, e ele é crente também, olha só como são as coisas... Aí eu fui explicar e quando vi que ele tava se exaltando, querendo partir pra discussão ou até pra briga, comecei a cantar um hino. Aí ele travou...
Bem, pra encurtar a conversa, tá vendo que ela num tá aqui hoje?
- Estou.
- Faz duas semanas que não vem. Eles tão lá todo enrolados.Sabe por quê? O marido dela bateu com o carro num velhinho... torou o pobre do velhinho no meio, rapaz! A sorte deles é que não tiveram nada, mas tão lá aperreados. Olhe só as coisas como é que são. O velhinho tá hospitalizado. Parece que não vai andar mais e ele tá sendo pressionado pela justiça. Tá vendo como Deus é grande? Deus é tremendo, irmão. Volte pra Jesus. O caba que bem pensar nunca mexe com um crente porque a mão de Deus pesa. É ou não é? Olhe aí o exemplo. Veio mexer comigo e olhe no que se meteu! A Bíblia diz, irmão, que nós somos como a menina dos olhos dele. Já leu isso?
- Já.
- Tá vendo como é que são as coisas? Crente é a coisa mais preciosa que Deus tem aqui na terra. Mas, irmão, tem que prestar atenção em quatro letrinhas, você sabe quais são?
- Não.
- O, B, D, C!
- ...
-  Eu vou pra igreja quase todo dia. Medite nisso, irmão. Deus tem um plano pra você e pra sua família.

Quando ia me retirando, resistindo à vontade de contraditá-lo, ouvi sua voz que me incitava a voltar:

- Ei, ei, psiu! Venha cá de novo. Só um instantinho... Tá vendo isso aqui?

- Tô.

- Isso aqui é forte, irmão! Foi ungido pelo apóstolo Valdemiro, da Igreja Mundial. Eu tô lá agora, saí da Assembleia. O crente que anda com isso aqui tá protegido.

E sorriu, enquanto desenrolava carinhosamente uma toalhinha branca onde se lia, em letras azuis negritadas: SÊ TU UMA BÊNÇÃO.