sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ENTREVISTA COM O POETA HÉLIO SOARES -- COORDENADOR DO PROJETO CORDEL NO SHOPPING

O entrevistado, Hélio Gomes Soares, nos fala de sua luta em defesa da cultura popular e das razões que o fizeram renunciar à vice-presidência da ANLIC.
GILBERTO: Caro poeta Hélio Soares, além de poeta, você é um grande apologista e defensor da cultura popular. Quando percebeu seu talento para a poesia e  teve início sua batalha pela cultura?

HÉLIO SOARES: Sim, me considero um defensor da cultura do povo. Tenho me envolvido em movimentos de bairro e na política partidária, fazendo opção por um partido de vanguarda e de oposição (hoje o PT não é mais oposição, e lamentavelmente largou suas origens). Queria com isso fortalecer a luta em defesa dos trabalhadores e dos menos favorecidos da nossa sociedade. Levei esse propósito para a luta sindical, onde cheguei a ser Presidente do Sindicato  dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no RN - SINTSEF/RN. Decepcionado com a política, encontrei no movimento cordelista oportunidades para promover a mobilização e a consciência crítica, tanto da categoria como a do povo. Com isso me interessei efetivamente pela poesia popular, a partir de 2007. Na verdade, tenho mais me identificado como escritor de poesia de cordel do que propriamente poeta cordelista, no entendimento de que o poeta é o que declama naturalmete, sem ajuda do folheto.

GILBERTO: Qual a importância do cordel nos dias atuais? É hoje tão importante quanto o foi em tempos passados?

HÉLIO SOARES: Cada tempo tem sua história específica, seu momento singular. A importância do cordel no tempo é relativa. Nos dias atuais, vejo a cultura cordelista ocupando outras abordagens e espaços: O cordel na escola, atuando como recurso pedagógico; no shopping, compartilhando mercado com outras literaturas; no hospital, servindo de instrumento terapêutico; na política, pedindo voto ou reivindicando melhorias sociais e etc. No passado, o cordel levou os fatos que se sucediam nos grandes centros urbanos aos povoados distantes. Promoveu o exercício da leitura (ainda hoje promove) e exerceu, de certa forma, o papel da comunicação social, que hoje é desempenhado com tanta competência, através das novas tecnologias.  Mas essa importância ainda permanece viva no cordel da era da tecnologia virtual. Vejo folhetos provocando o debate sobre a realidade social, levando a informação e o conhecimento de maneira graciosa. Vejo o cordel ser útil nos processos terapêuticos, educativos e como alternativa de lazer e entretenimento, numa sociedade carente de paz e de qualidade de vida.    

GILBERTO: Fale-nos de sua profissão e sobre as atividades que desenvolve para tornar o cordel cada vez mais conhecido e apreciado.

HÉLIO SOARES: Sou servidor público federal. Como autônomo, sou arquiteto. Além disso, tenho formação em Administração,  licenciatura em Ciências da Religião, especialização em Educação Ambiental e também em Educação Holística e Qualidade de Vida. Hoje estudo Gestão de Políticas Públicas na UFRN. Como servidor que fui da Superintendência do Patrimônio da União, colaborei na coordenação do Projeto Orla, onde levei o cordel às praias, para  servir de instrumento informativo e pedagógico. Essas experiências acadêmicas e profissionais têm contribuido para com a qualidade da informação dos folhetos que produzo, e facilitado alguns contatos estratégicos para a inserção do cordel em espaços, que antes não era permitido. Dessa forma, com um pouco também de ousadia, tenho levado a cultura cordelista para um mercado sofisticado, como são os shoppings, onde desenvolvo o Projeto Cordel no Shopping, entrando já no terceiro ano de sua edição.


GILBERTO: Um de seus grandes sonhos era ver constituída uma academia estadual voltada para a Literatura de Cordel, nos moldes da ABLC. O sonho foi realizado. Que pessoas tiveram maior empenho para que isso se tornasse possível? 

HÉLIO SOARES: Permita-me uma correção: Não sonhava com uma academia nos moldes da ABLC. Acho até que a cidade onde ela está localizada não corresponde aos reais desejos dos poetas do povo. O Rio de Janeiro não tem tradição em cordel. O lugar de uma academia nacional seria aqui no nosso Nordeste. Outra correção: Meu sonho também não foi realizado com a criação da Academia Norte-Rio-Grandense de Cordel. A forma pela qual ela fora construída, sem o debate mais amplo, com a participação dos poetas do interior, não condiz com o que sonhei. O autoritarismo que já ronda nas decisões de alguns "mandões", membros da Diretoria, também me decepcionou. 

GILBERTO: Você foi eleito vice-presidente da ANLIC (Academia Norte-Riograndense de Literatura de Cordel). Todavia, mal tomou posse, pediu renúncia do cargo. Quais as razões que o levaram a isso? Como se sente após tais episódios?

HÉLIO SOARES: Sinto-me aliviado por sair de uma instituição, onde alguns obedecem cegamente a ordem de alguém autoritário, ultra-conservador e incompetente de promover a união e a solidariedade da categoria. Como já falei, desenvolvo  um projeto que promove a cultura solidária de cordel (Cordel no Shopping), cujos encontros ocorrem uma vez por mês, na Livraria Siciliano (hoje Saraiva), às 19:00h, onde este ano entra na sua terceira edição. Disse que pretendia homenagear os saudosos poetas que se tornaram patronos da ANLIC, com a participação dos seus familiares. A programação do evento seria combinado com a família do patrono e com o seu respectivo poeta acadêmico. A idéia não foi aceita por um dos dirigentes que se acha dono da Academia, e daí ele procurou detoná-la, pressionando a Presidenta para proibir tal iniciativa. Argumentaram outros que esse tipo de homenagem é de exclusividadade da Academia. Um outro dirigente sugeriu a proibição de qualquer acadêmico nos eventos que tratassem dessas homenagens, no Cordel no Shopping. Em contrapartida, argumetei que o Cordel no Shopping é uma iniciativa independente, autônoma, e que nenhum colega deva agir contrário a sua vontade. Acrescentei que a Academia é livre para fazer as suas homenagens como achar melhor, mas que ela não tem o direito de proibir que o Cordel no Shopping realize também as suas. Com isso, fui acusado de provocador, anti-ético e criador de fatos sem nexos com a verdade. Assim, para o bem da cultura cordelista, não tive outra alternativa, a não ser apresentar a minha renúncia, tanto do cargo de Vice-Presidente como da condicão de membro daquela instituição.

GILBERTO: Qual o mais difícil a seu ver: criar a ANLIC  ou mantê-la (leve em conta aspectos financeiros e de relacionamento)?

HÉLIO SOARES: Não esperava que a criação dessa Academia fosse dessa forma, tão apressada, sem discussão ampla, sem a participação dos poetas, principalmente, do interior do Estado. Assim é fácil criar qualquer instituição. Mas digo que, tanto no processo da criação como na manutenção, tem os aspectos financeiros e de relacionamentos, que precisam ser tratados com habilidade e competência adminstrativa, levando em conta a capacidade de liderança, confiança, carisma, honestidade e outros valores subjetivos da pessoa. Em diversos debates ocorridos durante a fase das escolhas dos acadêmicos, fui voto vencido. 

GILBERTO: Dos que foram eleitos, conheço pessoalmente José Acaci, Crispiniano Neto e Xexéu. Sei que Antônio Francisco também foi eleito. Fale-nos sobre estes e outros nomes contemplados e  sobre os critérios de escolha.

HÉLIO SOARES: Todos esses listados acima são merecedores de elogios. Conheço Acaci e Antônio Francisco pessoalmente. Ambos são maravilhosos. O Xexéu é famoso, e demonstrou ser humilde na posse, onde foi muito procurado e aplaudido. Gostei dele. Os demais também têm suas qualidades, mas uns poucos precisam dimunuir a arrogância.

GILBERTO: Que mensagem você daria para os membros da ANLIC? 

HÉLIO SOARES: Que não sintam-se subjugados. Todo poeta deve ser livre.

GILBERTO: Brinde-nos com uma poesia de sua autoria

HÉLIO SOARES:

Importante pra os poetas
É a nossa Academia
Mas que deva dar valor
À plena democracia
Ao respeito das idéias
Como a livre poesia

   Pro cordel não se pebar
   No mando da ditadura
   Não cair no esquecimento  
   Feito múmia em sepultura
   Deve então ter Academia
   Liberdade sem frescura 
    


GILBERTO: Fale-nos de suas obras, dos projetos a curto, médio e longo prazo, deixe-nos suas palavras finais e algum texto para reflexão.

HÉLIO SOARES: Tenho feito alguns cordéis com temas populares. São muito procurados nas feiras e no mercado, de modo geral. Estes, eu tenho doado pra alguns poetas, vendedores de folhetos. Mas os temas da minha preferência são aqueles provocadores da consciência, que questionam a razão das coisas, que promovem a reflexão sobre a realidade. Com a minha desistência da ANLIC, pretendo trabalhar a idéia da Academia de Cordel da Região Metropolitana de Natal, ou simplesmente, Academia Metropolitana, que aglomerá os poetas residentes nos municípios de Natal, Parnamirim, São José de Mipibu, Nísia Floresta, Ceará-Mirim, Estremoz, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e Ielmo Marinho, totalizando 9 municípios. Defenderei a proposta de que seus primeiros acadêmicos se tornarão patronos quando morrerem, ou seja, a Metropolitana não terá patronos no momento da sua criação. Também defenderei a proposta de não terá um número fechado de 40 membros, podendo ter mais ou menos. Será exclusiva dos poetas cordelistas. Quanto ao Projeto Cordel no Shopping, pretendo desenvolvê-lo com parcerias, mas afirmo que farei as homenagens a todos os saudosos poetas populares, que estejam ou não vinculados à ANLIC. Estou também trabalhando a idéia de levar a experiência do Cordel no Shopping para o Teatro Alberto Maranhão. Bem, tudo isso será feito com o espírito da solidariedade, pois acho que nós poetas, formadores de opinião, temos o compromisso com as mudanças sociais. Temos que assumir essa responsabilidade para com o social, exercitando a generosidade e promovendo a cultura de paz.     


2 comentários:

  1. O entrevistador merece meus louvores. Não diria o mesmo do entrevistado, o Acadêmico da ANLIC Hélio Gomes (digo Acadêmico, pois o mesmo ainda não desvinculou-se oficialmente da Academia, tendo em vista que não enviou nenhum documento para que o mesmo ocorrese dentro dos trâmites legais), quando ele se refere aos seus colegas como pessoas cegas, subservientes, incompetentes, autoritárias... O que me magoou profundamente, uma vez que eu me incluo entre essas pessoas das quais ele não cita nomes, tendo em vista o laço de amizade que eu pensava
    existisse entre nós. Bom, isso da minha parte! Pode ser que eu estivesse redondamente enganada quanto à existência de tal vínculo.

    PS: Gostaria que o tempo voltasse e que nada dessas picuinhas deselegantes existissem rodando mundo afora, uma vez que nodoam, de forma indigna, o nome da nossa ANLIC que foi criada tão somente com o interesse de elevar o nosso Cordel a um patamar merecido aqui no Rio Grande do Norte.

    Rosa Ramos Regis da Silva (Poetisa Rosa Regis)
    Presidente da ANLIC

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  2. Lindo trabalho! O site é limpo, interessante e apresenta belíssimo conteúdo.

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