Livro: Antologia O
CORDEL DA NOSSA GENTE
Organizadores e revisores: Francisco Queiroz, José Acaci e Marcos Medeiros (Membros da ANLiC)
Gênero: Cordel (Antologia)
Edição: Offset Gráfica e Editora - 2017
Páginas: 133
Organizadores e revisores: Francisco Queiroz, José Acaci e Marcos Medeiros (Membros da ANLiC)
Gênero: Cordel (Antologia)
Edição: Offset Gráfica e Editora - 2017
Páginas: 133
A antologia O CORDEL DA NOSSA GENTE, do qual tive a honra de participar
com mais 30 autores, surpreendeu-me positivamente. A ANLiC (Academia
Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel), caprichou na filtragem que fez de
conteúdos e nos aspectos gráficos da obra. A diversidade de temas abordados, os
estilos, a maestria de textos que perfeitamente atendem aos requisitos de “rima,
métrica e oração”, tem potencial de agradar a todos os amantes do gênero. Trata-se
de 31 cordéis, representativos da feição que adquiriu nos dias atuais - escritos
por autores preocupados em adaptá-los aos novos tempos sem descuidar dos
aspectos essenciais ao gênero, estabelecidos pela tradição. Trata-se, de fato,
como sinaliza o titulo, do cordel de
nossa gente.
A seguir, uma breve análise de cada um dos poemas que compõem esta obra,
de acordo com a ordem em que aparecem no livro:
CARNAVAL EM CORDEL (Adilson Costa – Recife/ PE). Este é o
primeiro cordel da antologia. Nele, o autor tem como tema o carnaval em seu
estado (PE) e no restante do país. O eu poético, como em passes de magia,
parece transitar livremente de uma expressão carnavalesca a outra, nos principais
estados brasileiros. É um cordel que
expõe os encantos desta festividade nacional, apresentada sob uma ótica
positiva. Nele, o autor não se; limita a
descrever, mas entremeia seu texto com percepções poéticas bastante lúcidas e
traça paralelos entre a literatura de cordel e o carnaval.
O CANDIDATO (Agostinho Santos – Caicó/RN). O segundo cordel traz como
tema a politicalha brasileira. De forma bem-humorada, o autor apresenta o que
ocorre durante as campanhas – as estratégias utilizadas para enganar o eleitor.
Aliás, cada estrofe inicia-se com o verso: “Quando é tempo de eleições”.
AS AVENTURAS DE TINA - A borboletinha feliz (Carlos Aires –
Bezerros – PE). Trata-se de um cordel com temática voltada para a infância,
endereçado às crianças, mas com potencial de despertar o interesse dos adultos,
pois nele uma simpática borboletinha nos conta sua história de maneira
cativante e nela podemos vislumbrar reflexos de nossa própria vida.
HEPATITE B, UM INIMIGO SILENCIOSO (Cláudia Borges – São Vicente/RN), de modo bem
humorado, valendo-se de algumas expressões bem nossas e de uma didática
brilhante, a autora busca conscientizar o leitor sobre os riscos que todos
corremos quanto à Hepatite B. Trata-se de uma aula, mas de uma aula bem dada,
com graça e leveza.
CARIRI DE “A” A “Z” – AS BELEZAS DO CARIRI
PARAIBANO (Clotilde Tavares –
Campina Grande/PB). Neste cordel, a autora expressa todo carinho que sente pela
região onde nasceu; fala de suas origens culturais e familiares. Embora trate
de aspectos geográficos e históricos do Cariri, a autora a isto não se limita:
sua descrição transita entre o real e o imaginário. Do amor pela paisagem e
cultura do Cariri, brota a força poética com que ela retrata lugares e
personagens que se mantêm vivos em sua mente.
A CONTADORA DE HISTÓRIA E O CANARINHO CINZENTO – (Dalinha Catunda – Ipueiras/CE). Com
habilidade, a poetisa entrelaça duas narrativas, a de um pássaro e a de sua
tia, contadora de histórias. Trata-se de um gracioso e comovente cordel, capaz
de prender a atenção de crianças e adultos.
SEMEIE BONS ATOS, FAÇA O SEU LUGAR MELHOR (Edcarlos Medeiros – Caicó/RN). Neste cordel, o
poeta expõe, através de um sonho, a receita para que a vida em sociedade seja
mais harmoniosa. O autor nos faz ver, com magistrais pinceladas poéticas, que
nos aproximaremos mais e mais desse ideal à medida que nos fizermos sujeitos
dessas transformações. Um cordel ideal para incentivar o exercício da
cidadania.
AS AVENTURAS DE TILINO – Iniciação do Atirador
de Baladeira
(Francisco das Chagas – Pendências/RN). Com admirável habilidade, o autor
descreve como se davam e ainda se dão as caçadas de baladeira no interior
nordestino, através da narrativa de vida de Tilino, aprendiz do ofício.
Trata-se de um cordel cuja leitura envolve o leitor do começo ao fim e o deixa
com vontade de que o relato não termine ali.
XICO SANTEIRO (Gélson Pessoa – Santo Antônio do Salto da Onça/RN). Como
grande divulgador da cultura popular, o poeta Gélson Pessoa escolheu um
excelente nome para ser biografado. Com habilidade, o poeta nos apresenta a
vida de um ilustre potiguar, mundialmente conhecido por suas habilidades na
arte de esculpir. Sem dúvida, todo nordestino deveria conhecer a história deste
potiguar brilhante e Gélson, ao optar por este tema, dá um importante passo que
isso aconteça.
TEMPO DE FELIZ NATAL (Geni Milanez – Cerro Corá/RN). Um dos
objetivos da literatura de cordel é o de registrar o modo de pensar próprio do
povo – outro modo de interpretar o “da nossa gente” no título da obra. A
autora, como legítima representante do Nordeste e da cultura cristã, tece belas
reflexões a respeito desta que é a principal festa da cristandade.
LEMBRANÇAS (Geraldo Ribeiro Tavares -
Cajazeiras/PB). Neste cordel autobiográfico, o poeta nos conduz em seus
devaneios poéticos sem preocupações com datas ou aspectos geográficos. Numa
feliz escolha, o que lhe interessa é apresentar a essência do que viveu –
sensações perdas e ganhos - e refletir sobre o sentido de sua existência.
A VINGANÇA DO POETA (Gilberto Cardoso dos Santos – Cuité/PB). Este cordel baseia-se em uma experiência tragicômica, vivenciada por mim e pelo poeta-cantador Hélio Crisanto. O leitor ligado às artes dificilmente não se identificará com a situação vivida. Trata-se de um cordel com potencial de provocar risos e necessárias reflexões sobre a (des)valorização do artista.
O FLAUTISTA ENCANTADO NO CONGRESSO NACIONAL – (Hélio Alexandre – Caicó/RN). O conto
folclórico O flautista de Hamelin, mundialmente conhecido e tantas vezes
reescrito, serve de base para a fábula produzia por Hélio Alexandre. Esta
história fantástica, inteligentemente escrita, tem como protagonistas um
flautista nordestino, dois repentistas, um vaqueiro aboiador e o famoso
cordelista Antônio Francisco - imbuídos da missão de livrar a nação brasileira
dos verdadeiros ratos, bem mais nocivos que os de Hamelin. Trata-se de uma
crítica política bem tecida em versos que merecem leitura e releitura.
A HISTÓRIA DA ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE
LITERATURA DE CORDEL – Da ideia à fundação (Hélio Gomes Soares – Brejo de Areia – PB). Feliz foi a
escolha feita pelo poeta ao optar por este tema. Ninguém melhor que ele – idealizador
da ANLiC – para nos falar sobre esta instituição. Sem meias verdades, o autor
nos apresenta os altos e baixos do processo de formação da academia e de sua
importância para a cultura popular no Rio Grande do Norte. Trata-se de um
relato bem feito, útil a todos que se interessam pelo cordel.
FORRÓ, NORDESTE E SÃO JOÃO (Hélio Pedro – Caicó/RN). Neste cordel, o
autor discorre em setilhas bem construídas sobre duas tradições próprias e
imbricadas da cultura nordestina. São-nos apresentadas as tradições e descritas
crendices próprias das festividades juninas, tão influenciadas pela cultura
judaico-cristã.
MOMENTOS DO POETA (Ivaldo Batista – Carpina/PE). Neste cordel, o
poeta Ivaldo nos presenteia com divagações poéticas preciosas. De fato, como
anunciado no título, cada estrofe representa um momento que, como caco de um
mosaico, se junta ao todo e forma um belo quadro.
O POETA E O COQUEIRO, E A PAISAGEM DA SERRA ( Xexéu – Santo Antônio do Salto da Onça/RN).
Com a habilidade que lhe é peculiar, o poeta se aventura em sextilhas cujos
versos ultrapassam a fronteira das sete sílabas. De forma magistral, expõe suas
reminiscências, desenha a paisagem com frases bem escolhidas, eivadas de
poesia.
AS AVENTURAS DO REI BARIBÊ – ADAPTAÇÃO DE CONTO
DE MALBA TAHAN (Joaquim
Furtado – Fortaleza/CE). Fugindo à constatação de que “quem conta um ponto
aumenta um ponto”, o autor nos brinda com uma belíssima história, oriunda da
cultura árabe. Se em nada altera a narrativa, faz com que o conto ganhe em
beleza, pois com precisão o adaptou às regras do cordel.
A ÁRVORE DA VIDA (José Acaci – (Macaíba/RN). Neste cordel
duplamente fabuloso, Acaci nos conta a história de um poeta que, posto frente à
necessidade de tomar decisões para toda a vida, fez escolha errada das opções
que lhe foram oferecidas e colheu frutos amargos. Trata-se de um alerta acerca
do perigo de se viver uma vida vazia, em função da aquisição de bens materiais,
e de um alerta àqueles que vivem da arte e muitas vezes se deixam levar pela
ambição e sacrificam seus dons no altar do mercenarismo.
A VIDA DO AGRICULTOR SEM-TERRA (Josenira Fraga – Guaramiranga/CE). Neste belo
cordel, ouvimos a voz de um agricultor que nos fala de suas venturas e
desventuras nas mãos de patrões exploradores. Retrata com clareza e encanto a
situação do homem do campo, desassistido pela elite governante, vítima de coronéis
inescrupulosos.
ÁGUA, - IMPORTÂNCIA, CONSUMO E DESPERDÍCIO (Juarez Araújo – Osasco/SP). Como o título
deixa entrever, trata-se de um cordel que visa conscientizar acerca do desperdício
de água em uma época em que a natureza tem sido vilipendiada pela ganância e
desrespeito do homem aos recursos naturais. Ao longo do cordel, dicas são
fornecidas sobre como evitar o uso indevido da água. Trata-se de um apelo
poético digno de ocupar espaço nos conteúdos escolares.
SERTÃO MAGIA (Manoel Dantas – Caicó/RN). Neste texto encantador, o autor
nos apresenta diferentes imagens e percepções próprias do sertão. As estrofes,
aparentemente soltas, vão se juntando e formando um belo quadro, como uma
colcha de retalhos bem tecida. Real e imaginário se entrelaçam nas estrofes e o
resultado é positivo.
ABC DE EDUARDO CAMPOS (Marciano Medeiros – Santo Antônio/RN). Neste
cordel esteticamente bem construído, o poeta Marciano, fiel às raízes do gênero,
conta-nos a história de uma importante figura política do Nordeste, de grande
impacto nas decisões nacionais e que quase chegou à presidência. Sua trajetória
pessoal e política, bem como seu trágico fim, nos são contados com fidelidade
em estrofes cuja primeira letra do verso inicial sempre corresponde à sequência
do alfabeto.
DONA CORA E SEU BORÉ, UM CASAL FEITO NA FÉ (Marcos Medeiros – Natal/RN) O cordel de
Marcos Medeiros traz-nos a bela história de um casamento bem sucedido, fundamentado
na fé e na perseverança. Trata-se de um exemplo de união digno de ser
propagado, que se contrapõe a esta época de “amores líquidos”, de relações
flexíveis e pouco duráveis.
SOBRE SUSTENTABILIDADE (Moreira de Acopiara – Acopiara/CE). Neste
admirável poema, o autor expõe a dimensão ética da sustentabilidade. Conforme
explica, sustentabilidade abrange todos os aspectos da vida e a reciclagem, tão
essencial em nossos dias, deve começar pelo ser humano. Cordel digno de ser
levado às escolas de todo o país.
A POLÍTICA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI (Rosa Regis – Mamanguape/PB). Trata-se de uma
bela dissertação em versos sobre o caos políticos que todos vivenciamos. A
autora reflete sobre os escândalos na política nacional e busca conscientizar o
(e)leitor acerca da necessidade de escolher bem em quem votar para que de fato
possamos ver o Brasil renovado.
SERTÃO DA POESIA: VIVÊNCIAS E INSPIRAÇÕES DE
PATATIVA DO ASSARÉ (Sírlia
Lima – Mossoró/RN). Feliz foi a escolha feita pela cordelista - a de versejar
sobre a vida de Patativa do Assaré, ícone da cultura popular e poeta-modelo. Em
linguagem acessível, são-nos apresentados os principais fatos da vida deste
legítimo representante do povo, cuja fama ganhou repercussão internacional.
A PELEJA DA AGULHA E DA LINHA - Um apólogo de
Machado de Assis (Stélio
Torquato – Fortaleza/CE). Ao transpor para o gênero cordel o famoso apólogo
machadiano, o poeta optou por costurar bem os versos – nenhum fica sem rima – e
o fez de modo brilhante. Se já era bom lê-lo na prosa afiada de Machado, melhor
ainda agora, concatenado em versos bem construídos.
UM CANGUARETAMENSE FELIZ (Tamires Macena – Canguaretama/RN). Em
estrofes autobiográficas, o autor mostra-se grato pela passagem de mais um
aniversário que parece ocorrer num momento importante para os amantes do
futebol – a copa do mundo; nomina amigos que partilham desta alegria, de suas
origens etc. Trata-se de um eu poético embriagado pelo gozo de ser o que é: um
canguaretamense amado por muitos, que tenta expor em versos tão grande
felicidade.
ODE À LEITURA (Thomas Saldanha – Natal/RN). Feito em sextilhas de rima
fechada, o poema “Ode à leitura”, tem por objetivo provocar o interesse pelos
livros e promover o letramento. Em um país com elevado número de analfabetos
funcionais, caracterizado pela superficialidade dos conhecimentos, nada melhor
que a leitura como antídoto para a degradação cultural que assola o país.
Importantíssimo apelo, portanto.
A LENDA DE PROMETEU NA MITOLOGIA GREGA (Tonha Mota – Taperoá/PB). Através deste poema
que narra o mito de Prometeu, a autora transforma em cordel uma lenda grega
muito bem avaliada na literatura universal, difundida em várias versões e sempre
em pauta nos estudos da Psicanálise. Através dele, temos oportunidade de ver na
cultura grega traços em comum com as narrativas judaico-cristãs, como, por
exemplo, o relato do dilúvio.
A leitura desta antologia deixou-me como saldo um maior encanto pelo cordel.
Trata-se de um gênero literário que evoluiu e atingiu níveis de perfeição no
Nordeste, consolidando-se como instrumento de transformação social e fonte de
diversão, como se pode constatar ao ler os que aqui foram agrupados. Posto em
bibliotecas escolares e nas mãos de professores versáteis, esta obra há de se
revelar um excelente recurso paradidático.
Resenhado por Gilberto Cardoso dos Santos, educador, poeta
e prosador, formado em Letras, Especialista e Mestre em Literatura e Ensino
pela UFRN.
E-mail: gcarsantos@gmail.com Fone 84 999017248
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