Navegando pelos desconhecidos rumos da net, deparei-me com um edital intitulado 1º Concurso de Poesia Poeta Adauto Borges. Cliquei para obter mais detalhes e tive uma surpresa: havia sido organizado pelo departamento de uma igreja, pela Associação Batista de Ação Social.
Instituição religiosa promovendo concurso de poesia e ainda mais com tema livre (sem proselitismo), pareceu-me coisa raríssima - foi a primeira vez que vi isso. Ao ver o prêmio - dois livros - imaginei: "Hum... eu sabia. Deverão mandar livros de crente para o ganhador! Dentre eles, quem sabe, um que trata da mordomia cristã." Busquei no site o e-mail do organizador, e perguntei sobre o teor dos livros. Esclareceu-me ele: "Não são livros religiosos."
Fiz-lhe perguntas sobre o homenageado, o Adauto Borges, e tive uma terceira surpresa: tratava-se de um poeta vivo. Muito comum homenagear-se quem já morreu, mas dificilmente se vê um concurso literário com nome de quem ainda vive. Além de prestigiar o nome de um artista vivo, tiveram a ideia de homenagear a um poeta do povo, representante da cultura popular, o que só fez aumentar o meu encanto. Sábias decisões a destes evangélicos, pensei comigo.
A quarta surpresa me estava reservada no nome do organizador: Bispo Maroel. Pensei: "Bispo e com este nome? Não terá sido um erro? Não seria Manoel?" Descobri que não. Perguntei sobre a igreja e tive a quinta surpresa. Trata-se duma instituição que busca levar a sério a prática do amor ao próximo. Maroel enviou-me o seguinte:
Há cerca de 9 (nove) anos desenvolvemos o Projeto Sopão do Amor, no Conjunto José Ronaldo, bairro Campo Limpo, beneficiando cerca de 100 (cem) famílias carentes daquela localidade. Esse trabalho social, distribui, gratuitamente, cerca de 200 (duzentos) litros de sopa e mais de 500 (quinhentos) pães, quinzenalmente, como forma de diminuir o sofrimento e a fome dos mais necessitados que moram naquela localidade.
Além disso, outras ações sociais foram realizadas, a saber: Projeto Esporte Cidadão, com a realização do Torneio de Futebol Cidadão, no que reuniu quatro equipes, dos bairros Novo Horizonte, Campo Limpo e Feira VI, com cerca de sessenta adolescentes entre 13 e 17 anos, em situação de risco, os quais participaram antes da Palestra de Prevenção às Drogas, pois são moradores de bairros com elevado índice de consumo de drogas. Projeto de Qualificação Profissional, que ofereceu cursos gratuitos de Telemarketing, Atendente de Farmácia, Operador de Caixa, Secretariado e Assistente Administrativo, preparando as pessoas para o mercado de trabalho, com mais de seiscentas pessoas formadas. Projeto Drogas Não, que proporciona às pessoas da comunidade e aos alunos dos colégios do bairro a prevenção às drogas através de palestras educativas. Temos ainda, na primeira semana de dezembro, o Projeto Natal da Criança Feliz, que realiza corte de cabelo, aferição de pressão arterial, palestra de higiene bucal, além de brincadeiras e da tradicional entrega de brinquedos e presentes para mais de 250 (duzentas e cinquenta) crianças do local.
Imediatamente lembrei das palavras de Jesus em Mateus 25:31 a 46 e da parábola do Bom Samaritano. Decepcionado como sou a respeito das igrejas que conheço - mais preocupadas em arrecadar dinheiro que em obedecer aos ensinos de Jesus - encantei-me com as ações desta denominação. Foi então que tive a sexta surpresa:
Descobri que o bispo Maroel é licenciado em Letras, como eu e atualmente cursa Psicologia. Sem dúvida, um pregador culto a quem deve valer a pena escutar. Num país de tantos pastores (semi) analfabetos que se julgam experts em exegese bíblica e idiomas celestiais, não deixa de ser surpreendente encontrar um versado no idioma vernáculo e em Literatura. Imagino que o texto bíblico, através de suas pregações, ganhe relevo na linguagem comum e resplenda em seus aspectos poéticos milenares.
Dificilmente alguém tem seis surpresas, uma atrás da outra, principalmente seguidas de uma sétima: Descobri que o Maroel, além de bispo é poeta... e dos bons!
Meditando sobre as admiráveis atitudes deste líder evangélico, decidi que participaria do concurso, mais pelos fatos acima mencionados que pelo prêmio. Fiz um poema sobre a prática do amor (algo pertinente com as ações da igreja) e no estilo popular em que escreve o poeta Adauto Borges, cordelista. Preparado o poema, resolvi deixá-lo a maturar, pois pretendia enviar algo à altura de um concurso com características tão especiais.
Anteontem, fui ao site para preencher o formulário e inscrever-me. Tive uma penúltima surpresa: o prazo havia se encerrado! De tanto procrastinar e envolver-me com exigências do cotidiano, passei da data estipulada. Para não perder tudo e para tornar conhecidos os fatos que tanto me surpreenderam, resolvi escrever este texto. Antes, comuniquei-me com o bispo e solicitei alguns de seus poemas. Vejam que belezas ele me enviou:
Poesia: Resquícios da solidão
A solidão é um vago olhar pelas frestas da alma
A solidão é o resultado cabal da vontade de sumir no horizonte
Desespero silencioso do espírito na imensa e encantadora vida
Ir ou não ir?
Viver ou morrer?
Existir ou não existir?
Meu eu interior é absorvido pelo vácuo dessas tristes impressões
Deixa-me ! Liberta-me! Preciso fugir desse labirinto: a vida solitária!
O Sol brilha forte lá fora. Há tanto frio e chove aqui dentro.
Atônito, reverbero minha dor. Densas gotas de desesperança...
Um abismo fatal que me impede de ver o amanhã.
Tudo o que vi me fez chorar. Pra quê olhar mais?
Só me faz chorar, chorar...
A solidão é o resultado cabal da vontade de sumir no horizonte
Desespero silencioso do espírito na imensa e encantadora vida
Ir ou não ir?
Viver ou morrer?
Existir ou não existir?
Meu eu interior é absorvido pelo vácuo dessas tristes impressões
Deixa-me ! Liberta-me! Preciso fugir desse labirinto: a vida solitária!
O Sol brilha forte lá fora. Há tanto frio e chove aqui dentro.
Atônito, reverbero minha dor. Densas gotas de desesperança...
Um abismo fatal que me impede de ver o amanhã.
Tudo o que vi me fez chorar. Pra quê olhar mais?
Só me faz chorar, chorar...
Reflexos indescritíveis do meu ser humano.
Insolentes versos do meu cotidiano.
Será tudo isso normal? Ou apenas inópia existencial?
Silêncio enamorado
O som que me toma exige silêncio
Imenso prazer que imerge em mim
A alma úmida da luz soluça e descansa
Tacitamente declamo um soneto de dor
Percebo então tua vez a ressoar
Entendo que é hora de despir-me
Lanço fora a capa do medo
Admito o anseio que tanto palpita
Crio coragem do nada e deito-me
Só assim consegui te ouvir.
Última surpresa: Descobri que ele não se auto intitula bispo (prática tão comum nos dias atuais!). Não se trata de bispo Maroel e sim de Pr. Maroel Bispo! O que julguei ser um título eclesiástico era na verdade um sobrenome.
Após tantas surpresas, decorrentes de preconceitos e julgamentos precipitados, pergunto-me que espantos me reserva o futuro acerca desta denominação.
Foto: Maroel Bispo e sua esposa, confirmando a verdade de que por trás de cada grande homem há sempre uma grande mulher.
Maroel Bispo é "pastor da Igreja Batista da Família em Feira de Santana-BA; escritor, poeta e amante da Vida e da Família."
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