Na calçada, devidamente paramentado, todas as noites, voltado para a rua, celebra missa para uma plateia inexistente.
Deram-lhe uma batina, provavelmente reciclada de uma peça de roupa feminina. Veste-a, e, empunhando um microfone desconectado – de brinquedo, talvez – fala coisas pouco inteligíveis. Botou na cabeça que tem uma missão sacerdotal a cumprir. Pensa-se que pense ser um padre, mas, quem sabe, não se julgue bispo. cardeal ou papa? Frágil jovem que se agiganta aos próprios olhos e faz-se santo de Deus.
Executa gestos solenes e discursa com convicção uma mensagem pouco inteligível, extraída do livro de sua insanidade. Hinos conhecidos são deformados por sua voz anasalada e rebelde às notas. Curva-se respeitosamente diante de uma imagem inexistente, representativa do invisível. Em seguida, pega um pão que outros não veem e, por força de oração, transforma-o no corpo de Cristo. Estende-o às diversas bocas inexistentes daqueles que não se aglomeraram para ouvi-lo. Sua mímica bem feita, própria de quem crê na materialidade do que imagina, leva nosso pensamento a colocar um pão em sua mão e a dar forma a alguém da multidão com quem ele fala ao entregar a hóstia. Sob a parca luminosidade da rua onde mora, os poucos transeuntes que ocasionalmente passam vislumbram o frágil pregador em sua insignificância física, dirigem-lhe breves olhares indiferentes e distanciam-se alheios à solenidade da ocasião.
Nas janelas e portas das casas ao redor, vê-se o piscar das tevês que mantêm a todos presos em seus lares. A apatia parece tomar conta de tudo.
É de admirar a constância com que ele se posta naquela calçada, noite após noite, enquanto o resto da família, já afeita ao barulho de seus discursos, aproveita para ver a novela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário