Ouvia sem querer a música Na Boquinha da Garrafa enquanto relia o texto escrito por André que fala das relações promíscuas entre a imagem de Papai Noel e a Coca-Cola.
Como uma reflexão puxa outra, pus-me a meditar sobre o que se tornou o Natal, graças à sagacidade dos comerciantes que, através das eras, souberam transformar essa data em um período altamente lucrativo. Quem já leu algum livro de autoajuda ligado ao tema ou fez cursos do Sebrae sabe que o bom empresário é aquele que vê as oportunidades e as aproveita bem, ou, quando estas não existem, sabe criá-las.
Imagino que o "sucesso" do cristianismo na metrópole romana e adjacências foi visto pelos vendedores da época como um importante filão a ser explorado. Desde então, e até mesmo antes disso, foram criando meios de tornar este período altamente favorável às vendas. Na própria Bíblia estava a dica, pois fala do primeiro Natal como uma ocasião em que os magos trouxeram ricos presentes ao recém-nascido Jesus. A ideia era fazer, nos natais subsequentes, com que cada celebrante do Natal assumisse o lugar do aniversariante e que, ao mesmo tempo, procedesse como os magos do Oriente presenteando amigos e familiares. Essa troca mútua de dádivas seria a galinha dos ovos de ouro das indústrias.
Com certeza essa foi uma excelente estratégia que transformou o período anterior a 25 de dezembro - período este cada vez mais próximo dos janeiros dos anos em curso - em um instante de grandes expectativas, profunda ansiedade quanto ao que dar e receber.
Além das provas de amor exigidas ao longo de cada ano, há a prova-mor, que faz o ano finalizar com chave de ouro, capazes de alterar, para bem ou para mal, as relações fraternais, filiais e conjugais.
Há muita alegria no Natal, mas há também quem sofra bastante, seja pelo presente que não recebeu, seja pelo que não pode dar. Os vendedores, com isto, atingiram aquele ponto que é alvo de todos os que lucram com o comércio: transformaram o dar presentes em uma questão de consciência, um imperativo do qual não se deve fugir, um pecado contra as relações afetivas em todos os níveis.
Cônscio de tais manobras, desejoso de quebrar os liames postos por aqueles que me tratam como a um mamulengo, resolvi não presentear ninguém neste natal. Trata-se, evidentemente, de um protesto. Como, porém, sou democrático e costumo respeitar as diferenças, não recusarei as dádivas (ouro, incenso, mirra, tablets...) daqueles que discordam de mim. Além disso, devido os mistérios de sua composição e alto teor de açúcar, evitarei tomar coca-cola neste natal.
Feliz Natal a todos!
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