ATENDENTE: Departamento de educação, com quem falo?
PROFESSOR: Aqui quem fala é um professor da escola Alto do Gólgota.
ATENDENTE: Ah, boa tarde, professor. Antes de mais nada, parabéns pelo seu dia, que será amanhã!
PROFESSOR: ...
ATENDENTE: Alô? O senhor ainda está aí? Qual o objetivo de sua ligação?
PROFESSOR: Eu liguei pra saber de minha licença, a qual já faz mais de 6 meses que dei entrada.
ATENDENTE: Ah, certo. Infelizmente não está sendo concedida licença para ninguém que esteja em sala de aula. Só se houver substitutos. O senhor ensina há muito tempo? Já tirou alguma licença?
PROFESSOR: Eu ensino há mais de 20 anos e nunca tirei licença. Nunca pude tirar.
ATENDENTE: Poxa... Desculpe a curiosidade: é impressão minha ou eu ouvi um barulho aí?
PROFESSOR: Acho que foi minha barriga, não sei. É que agora estamos proibidos de merendar.
ATENDENTE: Ah, tá... Bem, nunca pôde gozar licença?
PROFESSOR: Licença, não.
ATENDENTE: Mas antigamente era mais fácil tirar , não? Houve um tempo em que o professor solicitava e era atendido. Lembra?
PROFESSOR; Verdade. Mas nesse tempo, quem tirava licença perdia parte do salário, lembra? Era a chamada regência de classe. Eu, como ganhava pouco, não podia me dar ao luxo de tirar licença. Além disso, dizia-se que quem não tirava licença seria recompensado com uma aposentadoria mais cedo.
ATENDENTE: Verdade, professor. Graças a Deus que agora, depois da luta do sindicato, o professor pode licenciar-se sem que haja diminuição em seus proventos.
PROFESSOR: Certo. Mas fica difícil por causa do item “implica em substituição”. Eu sou obrigado a arranjar quem me substitua, coisa bastante difícil porque ninguém quer assumir sala de aula. Será que terei que pagar de meu bolso para que alguém me substitua? Vai sair mais caro que no tempo em que tiravam a regência de classe.
ATENDENTE: Verdade... Desculpe a curiosidade, mas o senhor tem alguma razão especial para estar requerendo essa licença?
PROFESSOR: Bem, eu me sinto muito cansado, meio depressivo e pretendia fazer uma viagem para desopilar. Um amigo me convidou para visitá-lo, eu não teria despesas com estadia. Ele mora noutro país, sabe? Seria a viagem dos meus sonhos... Eu ensino história e aproveitaria para visitar alguns museus famosos. O diretor disse que se eu conseguisse por minha conta um substituto ele daria um jeitinho. Como eu ensino em duas escolas, teria que conseguir dois substitutos e convencer a dois diretores e à chefe da Dired. Na verdade, não tenho condições para isso e estaria burlando a lei, não é mesmo?
ATENDENTE : Verdade. Seria uma ilegalidade. A não ser que o senhor falasse com algum político forte ligado ao sistema... aí, quem sabe, o senhor pudesse conseguir isso.
PROFESSOR: Verdade. Mas isso também seria uma ilegalidade, não é mesmo?
ATENDENTE: É... concordo.
PROFESSOR: Pois é. Seria perder uma das poucas coisas que tenho: a dignidade. Conheço alguns colegas cedidos pelo governo para assumirem cargos de confiança noutros departamentos. Estes sempre saem ganhando. Alguns nem dão expediente direito mas, como estão sob a proteção deste ou daquele candidato, podem tudo. Mas eu sou burro. Não gosto de “babar”.
ATENDENTE: Pois é... Como já lhe disse, não está saindo licença para ninguém. Veio uma ordem de cima para suspender todas, pois faltam professores substitutos. De qualquer modo, se o senhor quiser dou uma olhadinha pra ver em que departamento se acha seu pedido. Como é mesmo seu nome?
PROFESSOR: Precisa não. Meu nome é Otávio, mas se quiser trocar o “v” por um “r”, combina mais comigo.
ATENDENTE: Ha! Ha! Ha! O senhor é engraçado. Bem, seu Otávio, mais uma vez receba nossos parabéns pelo seu dia; lembre-se que o seu trabalho é muito importante e essencial para o progresso da nação. Que o mestre dos mestres possa iluminar o seu caminho e torná-lo cada vez mais próspero na execução desta tarefa sublime e sagrada para a qual foi designado...
PROFESSOR: ...
PROFESSOR: ...
TELEFONE: Tum! Tum! Tum!
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