Em um dos 365 de 2001, pela manhã, nalgum lugar do planeta um menino brincava com sua bicicleta a caminho da escola e caiu, esfolando o joelho. Enquanto soprava o ferimento e dizia “ai, ai” pensando no que a mãe e o pai diriam; uma outra pessoa, em lugar desconhecido, destruía um casamento dizendo friamente “Eu não te amo mais”. Não muito longe dali alguém levou um tiro na cabeça e foi levado às pressas para o hospital. Quando a ambulância chegou à porta da UTI, viu-se uma família que saía aos prantos. Um pai de 3 filhos pequenos, que não dormira à noite inteira, saía para providenciar um caixão para a própria esposa.
Enquanto isso, nalguma outra parte, uma garota chorava diante da família porque na noite anterior perdera a virgindade com o namorado. Alguém não fora trabalhar por causa de uma unha encravada e brigava ao telefone com o patrão. Um rapaz sorria na expectativa de um sim que ouviria naquela manhã. Os carros passavam às pressas, nas diversas rodovias movimentadas do mundo e diversos acidentes aconteciam. Eram homens e mulheres totalmente voltados para a rotina da vida, esquecidos da proximidade da morte.
Um padre celebrava um casamento pomposo enquanto outro, noutra igreja, encomendava o corpo de um velho assassinado pelo neto. Numa clínica, a mulher gritava de dor trazendo à luz mais um filho. Um seminarista estava em jejum, penitenciando-se por ter se masturbado.
Evangélicos distribuíam folhetos na avenida, falando de um culto especial que ocorreria àquela noite.
Naquele dia, até então comum a todos os outros, repórteres percorriam as ruas das grandes capitais à cata de notícias. Um deles não fora trabalhar pois bebera muito à noite e havia adormecido num quarto de motel com uma boneca inflável. Ressacado, tomou água e ligou a TV à procura de qualquer coisa. Ouvia-se do outro lado da porta o roçar de uma vassoura, movimentada pelas mãos caroçudas de uma negra de 40 anos, ainda virgem. Na casinha alugada onde ela morava, um órfão se zangou quando interromperam seu desenho preferido. Na TV, apareceu um repórter noticiando algo provavelmente grave. Era um daqueles plantões, com notícias significativas e tristes apresentadas o mais próximo possível das ocorrências. O repórter no motel espantou-se com o espanto do repórter que se achava no estúdio. Não sabiam o que dizer. Parecia uma imagem montada em Hollywood. Pouco depois, o que parecera um acidente recebeu nova interpretação ao se noticiar que parecia tratar-se de algo pior.
O menino que relara o joelho entrou em casa chorando mas se deparou com a indiferença da mãe que fazia psiu e se quedava diante da TV. O filho se admirou pensando que a mãe assistia a um desses filmes de ficção científica, coisa de que não parecia gostar. O viúvo chegou na funerária e teve dificuldade em falar com o atendente que era meio mouco e colocara o rádio no último volume. O pai da filha desvirginada parou de amolar a faca e esqueceu o seu ódio. Ocorriam, então, diversos engarrafamentos nos Estados Unidos e em São Paulo e muitas pessoas praguejavam. A mulher recém-abandonada tentou se envenenar no exato instante em que um avião bateu contra um prédio. Diversas pessoas se ajoelharam na Palestina agradecendo a Alá pela vitória. Enquanto isso, no Brasil, uma islâmica há pouco convertida suplicava coragem a Deus para ir ao trabalho usando o véu, enquanto ouvia os resmungos da mãe católica.
O rapaz que levara o tiro morreu, sem saber do grande acontecimento que marcaria a história.
Ao meio-dia, um velho professor dirigiu-se ao calendário e procurou uma data que tinha a cor dos dias comuns. Circulou-a com tinta vermelha.
Era o dia 11 de setembro de 2001.
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