segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O AMOR AO PRÓXIMO NO MUNDO VIRTUAL


O AMOR AO PRÓXIMO NO MUNDO VIRTUAL - Gilberto Cardoso dos Santos

Quase todos os cristãos e simpatizantes do cristianismo acreditam que Jesus é o autor do famoso mandamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Todavia, milhares de anos antes que Cristo nascesse, esse mandamento já fora mencionado em Levítico 19:18. Ali lemos:

“Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.

Jesus cristo, porém, não repetiu simplesmente o que alguém já se dissera, mas deu nova roupagem a este preceito e elevou-o à categoria de segundo maior mandamento. Diríamos, que no concerne às relações humanas, ele deveria constar como o primeiro. Esta súmula do decálogo é um resumo de mais da metade dos dez mandamentos. 

Amar ao próximo como a si mesmo é um dos camelos referidos por Cristo (Mateus 23:24), engolido todos os dias enquanto estamos presos às redes sociais, coando mosquitos ou espalhando pernilongos infectados.  O ocidente cristianizado e altamente beneficiado pelos avanços tecnológicos, tem a bíblia ao alcance do dedo onde quer que esteja; pode ler, grifar, colorir e divulgar os ditos de Jesus. Pode, se quiser, escutá-lo na voz de Cid Moreira. No entanto, apesar das advertências do Mestre, tão acessíveis hoje, continua insensível à trave no próprio olho, preocupado com os argueiros alheios.  

As redes sociais ampliaram as possibilidades de transgressão ao magno preceito sem o qual o cristianismo vira uma piada. Quase ninguém para pra pensar nos males que poderá causar com os comentários e divulgações que faz. 

O grande escritor Umberto Eco disse algo que, à primeira vista, choca quem o lê, principalmente àqueles que são vítimas do chamado analfabetismo funcional. Eis o que o autor de “O nome da Rosa”:
“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. [...] O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Quando amenizamos o impacto negativo do termo “imbecis” e nos conscientizamos de que o escritor não está a nos fazer um ataque pessoal, mas a tratar duma realidade difícil de negar, somos capazes de entender melhor suas palavras e aplica-las adequadamente ao presente contexto. 

O “causar dano à coletividade” ganhou, sem dúvidas, infinitas possibilidades com o advento das mídias sociais. As oficinas do diabo, ou mentes desocupadas, têm agora um amplo espaço para forjar o que não presta.

Outro termo usado por Umberto Eco que faz eco em nossa asnice emocional é o vocábulo “idiota”. Quando vamos ao dicionário e descobrimos que significa “carente de discernimento, falto de inteligência” trazemos suavidade à suposta ofensa. Ou seja, idiota da “aldeia” (antes local, hoje global) é aquele que não reflete bem antes de postar algo; às vezes, trata-se de um fiel membro de igreja que deveria consultar a Deus antes de enviar postagens suas ou alheias. Bastaria, por alguns segundos, perguntar-se: Se fosse comigo, com algum amigo ou familiar eu faria isto? Como procederia se este, a quem denigro, votasse no mesmo partido que eu, ou fosse de meu íntimo convívio? Como me sentiria se acaso eu fizesse alguma bobagem “dessas” e fizessem o mesmo com minha imagem ou palavras? Porventura não me sentiria eternamente grato para com aqueles que de mim tivessem misericórdia?

Todavia, muitos se dispõem a divulgar coisas nocivas, como se com isso fizessem um bem à coletividade e estivessem a zelar pela moral pública. Muitas vezes, porém, dão um zoom em algo que de tão pequeno passaria despercebido – os mosquitos referidos por Cristo -, ou criam factoides destituídos de qualquer solidez. 

Como fica a situação do suposto culpado cuja inocência vem a ser provada? Será que os mesmos que divulgaram seu crime terão a preocupação de desfazer o malfeito? Digamos que tentem retratar-se de alguma forma; será que buscando reparar o dano feito ao semelhante conseguiriam apagar a influência negativa que tiveram? Obviamente que não! Quem não quiser, pois, ser merecidamente adjetivado como imbecil ou idiota deve ponderar bem o que posta e o que diz.

Uma das coisas que tornam a Bíblia digna de ser lida é a doutrina da misericórdia. Jesus, segundo os evangelhos, era extremamente misericordioso. Sempre lançou um olhar bondoso e acolhedor às prostitutas e demais pecadores de seu tempo. Não conseguimos imaginá-lo compartilhando um vídeo da adúltera Maria Madalena no Facebook ou Instagram. Jamais escreveria nos comentários: “Que vergonha!”

Vivemos numa sociedade que foi condicionada a crer que haverá um severo dia de juízo. Os que levam tal crença a sério deveriam ponderar bem suas peripécias virtuais. Um escritor bíblico nos diz: 
Porque o juízo será sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia; a misericórdia triunfa sobre o juízo. (Tiago: 2:13)

Exercer a misericórdia, em essência, significa amar o próximo a si mesmo. O “Não façais aos outros aquilo que não quereis que vos façam”, enfatizado por Jesus, é outra maneira de dizer “amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

O modo certo de lidar com delitos pessoais de gente como a gente, sujeita às mesmas paixões que nós, não é divulgando “cenas do crime” nos espaços virtuais. Há trâmites legais a serem seguidos e gente que estudou e ganha para tratar destas questões. Deixemos o caso com as partes envolvidas.  Não somos chamados a ser juízes, a emitir sentenças severas, mas a colocar-nos no lugar de quem errou e exercer misericórdia - a amar nosso próximo como a nós mesmos. 

Uma maneira de nos imunizarmos contra o vírus da idiotice é dar ouvidos às palavras dos grandes mestres como Jesus, Buda e os bons filósofos. Confúcio, por exemplo, ensina que devemos ser exigentes conosco mesmos e benevolentes com os demais.

Já imaginaram que céu virtual nós teríamos caso seguíssemos estes conselhos? Com certeza a felicidade estampada na linha do tempo seria bem mais real. Jamais criaríamos infernos para os outros. As “redes”, em cujas malhas muitos hoje se acham presos e que servem de armadilhas para muitos, se transformariam em lugares de repouso, berços de poesia, embaladas ao som de vozes nascidas em consciências tranquilas.

Jamais esqueçamos quando estivermos a navegar que estamos todos no mesmo barco; que todos somos irmãos, queiramos ou não e que, mesmo quando profundamente indignos, ainda somos dignos de misericórdia.

Um abraço fraterno a todos os que me leem.


Santa Cruz, 21.11.2016




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