quarta-feira, 23 de julho de 2014

O GRANDE LEGADO DO FINADO ARIANO - Gilberto Cardoso dos Santos


Não tive a oportunidade de conhecer Ariano Suassuna pessoalmente. Conheci-o literariamente, através de A Pedra do Reino, de O santo e a porca, do filme O auto da compadecida, de seus poemas... mas principalmente conheci-o através de algumas palestras suas disponíveis na internet.

Creio que seu principal legado tenha sido o de elevar a autoestima do nordestino. Ele resguardou-nos de desenvolvermos um infundado complexo de inferioridade em relação às demais regiões do Brasil e do mundo. Sua ferrenha defesa não era apenas da cultura nordestina, mas do Brasil. Dizia ele dos mais variados modos e sempre com gracejo que não temos razão alguma para envergonhar-nos de nossas raízes e supervalorizar o que vem de fora.


Era alguém que brigava por nós. Brigava  brincando, feito um hábil lutador.

Seu sotaque pernambucano, propositalmente carregado, era um convite a assumirmos nossa nordestinidade. Por seu exemplo, dizia-nos ele que não devemos nos envergonhar do modo como falamos, da maneira que somos. Sua luta, ignorada por muitos que se acham cultos e até mesmo por educadores, tem o respaldo da moderna linguística.

Num mundo globalizado, não temos que nos igualar, prestar subserviência a uma cultura supostamente superior e renunciar ao nosso folclore. Pelo contrário: é preciso que nos apeguemos mais firmemente às diferenças, que salientemos nossas riquezas imateriais para que o mundo, tendente à uniformidade, continue colorido e rico em seus diversos aspectos e segmentos. Que prossiga a confusão de línguas iniciada lá em Babel e cada um de nós enraíze-se mais e mais na dimensão histórica e geográfica que nos coube.

Ariano Suassuna foi bem mais que um nordestino engraçado. Era uma porta aberta no presente que escancarou diante de nós os tesouros que havíamos trancafiado no quarto de despejos. Modernidade pra ele só tinha valor quando não atentava contra a cultura popular. E quem disse que a cultura popular era detentora de uma arte inferior, digna de nossa complacência? Mestre Ariano colocou-a em pé de igualdade com todas as outras e até um pouco acima. Entre uma culta tragédia grega e um ritual de dança indígena, ele ficaria com a segunda opção. A Grécia e o Egito até poderiam nos dizer alguma coisa, mas seria através das vozes de João Grilo, Chicó, Pedro Malazartes e outros tantos personagens dos folhetos de cordel.

Era impossível não gostar de nós mesmos quando ouvíamos Ariano! Ele nos abria os olhos para o  que temos de melhor.

Ariano se foi, mas antes de ir deixou-nos curados. Foi um psicanalista que bem cumpriu o seu papel. É hora de sair do divã e assumir nossa matutice.  Não mais precisamos que alguém nos diga a importância que temos, pois sua voz  ecoará dentro de nós sempre lembrando-nos disto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário