domingo, 28 de agosto de 2011

O ADOLESCENTE GILBERTO - Dinamérico Soares do Nascimento (1958 – 2004)



Na calçada alta de sua humilde casinha na rua da Ladeira, ele sentou-se para ler as crônicas de Drummond, escritor que tirara da biblioteca do Mobral e que o conquistara ultimamente. Depois de fazer um meio juízo do trabalho drummondiano, levantou-se, e voltando-se para aquela paisagem periférica, seu olhar voou longe sobre a lagoa de Jovino Pereira. Martelando um poema na mente, ele a chamava de mar sagrado, pois era de suas águas poluídas que a população que tanto se identificava com ele, estava tirando o seu sustento para a sobrevivência, população de seu bairro, gente de semblante estampado de mágoas...

Ouviu a voz arquejante de sua vó mãe - meu neto, chegue, meu filho! ... O pão já está namesa , vá comprar o café...

Talvez ela tenha trocado as bolas, mas a verdade é que faltavam os trocados para os exorbitantes 90.00 do café. Apanhou as últimas míseras economias recebidas de sua empregadora que nele empregou os seus planos ilícitos, não pagando segundo a CLT, seus direitos de auxiliar de limpeza do Banco do Brasil, e satisfez os pedidos da velhinha, se bem que para ele isso era também uma necessidade chamada jantar.

Depois de certo tempo, juntou o preço altíssimo do café ao preço de seu trabalho, tão baixo como o próprio cruzeiro e desabafou no papel que enrolara os pães. Ao escrever, ele se dava conta de que já era um poeta de verdade, muito embora a sua musa primeira tivesse sido a opressão...

A noite já enegrecia a ruazinha. Ele tentou dormir. No dia seguinte o Estopim publicou seu primeiro trabalho poético: Vovozinha, o que será de nós”.


Publicado em 2011 no livro Cultura Educação Espaço e Tempo

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