sexta-feira, 26 de abril de 2019

MARIA GORDA E A MOÇA DO WHATSAPP - Gilberto Cardoso dos Santos



MARIA GORDA E A MOÇA DO WHATSAPP - Gilberto Cardoso dos Santos

Antes de dormir,  conferi o Zap. Um número desconhecido tinha enviado:

“Oiii”

Cinco minutos depois, repetira:

“Oii”

Olhei a foto, era de mulher. Resisti, fui dormir; deixei para conferir no dia seguinte.
De manhã, cliquei na foto, vi que fora alterada. Jovem bonita, risonha, pele brilhante. Quem seria: Ex-aluna? mãe de aluno? Alguém querendo vender algo?
 Após meu “Bom dia”, enviou um áudio com pergunta bastante inesperada:

“Olá, bom dia. Desculpe incomodar, mas eu queria saber se esse telefone… se esse contato é da boate de Maria Gorda.”

A voz era  agradável, suave e e bem modulada. Antes de responder-lhe, tentei acalmar os pensentimentos recém agitados pelo teor da abordagem. Lembrei de um escritor local e da personagem que protagoniza sua obra, a Maria Gorda. Teria uma coisa a ver com a outra? A princípio não atinei bem, e respondi:

“É não. Você é do RN? Fica onde essa boate? Eu conheço uma Maria Gorda que tinha uma “boate” em Santa Cruz, onde moro.”

“Desculpa então”, disse-me ela. “Fica no Pernambuco”. E citou o município.

“Ah”, disse-lhe, “coincidentemente havia uma Maria Gorda em minha cidade que tinha uma casa dessas. Um amigo e compadre da dona dessa ‘boate’  escreveu um livro em sua homenagem.”

E postei a capa do livro “Crônicas da Casa de Maria Gorda”, de Rosemilton Silva.



Montando melhor o quebra-cabeça, acrescentei:

“Talvez sua busca tenha levado ao blog onde postamos algo sobre ela”.

Ela confirmou:

“Eu não sabia. Eu peguei esse número na Internet. Mas me desculpe ai, tá bom?"

“Então foi isso daí mesmo”. Fui conscientemente repetitivo, buscando manter o diálogo:  “Você estava fazendo uma pesquisa, procurando ‘Maria Gorda’ e, no blog, onde a gente fala sobre ela, achou esse número que é o meu. Uma coincidência bem interessante. Foi bom saber que onde você mora há alguém com este mesmo apelido e que exerce a mesma atividade.”

Retrucou:

“Mas a daqui já faleceu mesmo. Aqui tem uma casa que era dela, tá entendendo? E funciona. É uma boate, mas… é uma boate do sexo, tá entendendo? Eu já ouvi falar muito e por isso que eu pensei que era de lá. Eu não sei aonde fica, nem sei nome de rua,  nada. Eu só peguei o número achando que era de lá pra me informar. Mas, de boa, desculpa ter incomodado”.

Tentei sossegá-la: 

“Não foi incômodo nenhum, amiga. Ficamos felizes quando alguém faz buscas na Net e encontra nosso blog.  Outro dia ocorreu com alguém do RJ. Sinal que aparece bem nos resultados.”

Com certo receio, perguntei:

“Você estava à procura de emprego, alguma coisa?”

A resposta demorou e veio em  voz entrecortada; expressava sinais de angústia:

“É. Eu… tou desempregada, tenho três filhos...e a situação tá bem complicada. Por isso que eu tava procurando. Nunca fiz esse tipo de coisa, nunca precisei… mas aqui na minha cidade não tem serviço. Eu já fiz de tudo pra conseguir serviço e não consegui. E por isso eu tava em busca pra poder eu me informar, sabe, como era... tudo.”

Neste instante parei para pensar no que lhe diria. Senti  certo mal estar. Suas palavras, o modo como as dizia, bem como as circunstâncias que nos conduziram àquele ponto do diálogo, não me deixavam margens para dúvida: eu estava diante de alguém em desespero.
Parei para ouvir as vozes dos eus que me habitam com seus imperativos nem sempre éticos; pensei em minha falecida mãe -  jovem, com 3 crianças; abandonada pelo esposo que se mandara para o sul... -  Décadas depois,  soube do desespero com que enfrentou os obstáculos após o fim do  casamento: carregava água em 3 burros dando assistência a construções e de tudo fez na tentativa de sobreviver e reorganizar sua humilde existência; rendeu-se, inclusive, aos encantos de alguns jovens aparentemente apaixonados. E foi assim que eu nasci.
Muitas coisas pensei e senti nessa  breve pausa: na onda de desemprego que assola o país, na enorme quantidade de jovens depressivas… lembrei de uma que pulou da ponte e levou consigo o filho de dez anos. Uma das vozes gritou quando meus olhos se umedeceram: "Deixa de ser bobo!"
Voltamos à conversa.

“De fato, amiga. A necessidade às vezes é mais forte que a gente.”

“É verdade. Eu sou um tipo de pessoa que eu jamais deixaria meus filhos passar necessidade, tá entendendo? Então, se tivesse que apelar pra esse caminho, eu ia de boa. desculpa aí eu ter pegado o numero errado. Achei que realmente fosse de lá. Desculpa.”

 “Nada. Eu que lhe peço desculpa pela curiosidade. Salvei seu número. se aparecer alguma novidade, lhe digo.”

“Como assim, ‘alguma novidade’? Você trabalha com esse tipo de coisa?

“Não, amiga. Mas a vida tem seus mistérios e às vezes pode pintar alguma proposta, não sei. Caso aconteça, comunicarei a você.”

De fato, leitor, desde que tivemos esse bate-papo,  tenho desejado encontrar um jeito de ajudá-la. Merecerá, de fato, que nos comovamos com sua situação? Tendo a dizer que sim, ainda embalado pelo calor da conversa. Falei  com uma pesoa amiga sobre como poderíamos prover-lhe ajuda. Disse-me que não adiantaria enviar-lhe dinheiro, porque seria uma solução passageira. Quem sabe se o acaso, semente deste texto, de algum modo não proverá uma saída para ela? Nada ocorre por acaso, dizem os místicos. Como consequência, intermediei a venda do livro sobre Maria Gorda a alguém com quem conversei sobre Sânzia. Ao salvar seu número, coloquei  “Sânzia G P”. A partir daqui, só imaginação
Pensei em pedir permissão à Senhora Santos para enviar-lhe algum dinheiro, mas tive receio. Esta estranhou o nome.

“Quem é Sânzia GP?”

Expliquei-lhe que “GP” não era “Garota de Programa” e sim “garota pernambucana”
Ontem demorei a pegar no sono; Não me adaptei bem ao sofá. Acordei ainda pensando em como ajudar à jovem mãe. Terá tudo um propósito? Terá o Universo conspirado a favor dessa garota aflita? Só o tempo dirá.  Quiçá, você que me lê, venha a fazer parte dessa conspiração.









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