domingo, 31 de dezembro de 2017

PROPÓSITOS HOMILÉTICOS


HOMENAGEM EM PROSA E VERSO A LAJES PINTADAS (Gilberto Cardoso dos Santos)


HOMENAGEM EM PROSA E VERSO A LAJES PINTADAS  (Gilberto Cardoso dos Santos)
Em 2008 foi exibido pela Rede Globo, no Programa do Jô, uma bela reportagem sobre Lajes Pintadas. Como os fins da matéria eram humorísticos, Jô Soares chamou a atenção para o exotismo do nome, razão de ser da reportagem. Um pouco antes, naquele mesmo ano, a repórter Tatiana Resende veio à cidade munida de pegadinhas verbais do tipo:

“Quem nasce em Lajes Pintadas é pintor?”;
“Quem pintou as Lajes de Lajes Pintadas?”;
“A senhora também pinta as lajes de sua casa?”

Várias pessoas, comuns e autoridades locais, foram entrevistadas. Os que foram interpelados pela equipe de tevê reagiram com bom humor às perguntas e aproveitaram bem a ocasião para mostrar a todo o Brasil a natural simpatia de seus habitantes e um pouco de sua encantadora história. Certamente houve aqueles que, zelosos por sua identidade, reagiram posteriormente com indignação, como bons munícipes, às interpelações de teor irônico da jornalista. Mas no geral, percebeu-se, o saldo foi  positivo. O Brasil teve oportunidade de rir e de se encantar com uma gente de boa índole e hospitaleira.

Aquele que então era prefeito levou a repórter até o leito do Rio das Lajes, berço do município, e falou das imagens e desenhos rupestres que anteriormente ali existiram. 

Pessoas de diversos lugares então vinham vê-los, movidos por pura curiosidade ou com intenção de decifrá-los. Conforme acreditavam alguns, quem decifrasse o sentido daqueles caracteres teria acesso a um reino encantado. De fato, metaforicamente se veria no futuro um fundo de verdade nesta crença.
Nesse tempo, era comum ouvir dos habitantes de regiões circunvizinhas: “Vamos ver as Lajes Pintadas.”; “Vamos pras Lajes Pintadas”.
E foi assim, pelo constante e unânime uso, que o apelido ganhou força e se transformou em nome próprio.
Emancipada de Santa Cruz, a aconchegante cidade, emoldurada e refrigerada pela vegetação catingueira, conserva, em grande medida, a beleza e a simplicidade de seus antepassados.  O amor à cultura popular, por exemplo, é belamente demonstrado em suas obras artesanais. É prazeroso ver, ainda em nossos dias, a cidade reunida em praça pública para prestigiar cantadores de viola e poetas populares. A modernidade ganhou espaço, é verdade, mas ainda há lugar para o que realmente importa. O respeitoso silêncio e aplausos calorosos revelam o bom gosto dessa gente que vive sua vida simples, pautada pela moral e pelo bom senso.
Significativo é que uma cidade, marcada em suas origens pela busca de prosperidade, tenha como padroeiro São Francisco de Assis, aquele que se despojou dos bens para alcançar o Bem. Que bom, porém, que o tenham escolhido, pois isto trouxe-lhes um contraponto magnífico, uma correta perspectiva acerca do que realmente importa.
Esgotaram-se, é verdade, os tesouros minerais de outras décadas. Restam, todavia, as riquezas interiores que fazem de cada um de seus habitantes uma preciosa gema.
Enquanto escrevo estas palavras, vem-me à mente “Gente humilde”, de Chico Buarque, que descreve realidades brasileiras similares às de Lajes Pintadas. A docilidade de sua gente me encanta. 
Desejo muito que Lajes Pintadas progrida, mas na medida certa. Que aprenda com os erros e acertos próprios e de cidades circunvizinhas. Que seus habitantes, frente aos apelos do comodismo e das fáceis soluções, lembrem-se sempre que a emancipação, em seu sentido lato, jamais termina.
Vida longa e de qualidade ao povo de Lajes Pintadas!

Gilberto Cardoso dos Santos

Santa Cruz, 31.12.2017


sábado, 30 de dezembro de 2017

Reflexões sobre um poema para Ademar Macedo - Gilberto Cardoso dos Santos


Reflexões sobre um poema para Ademar Macedo

Quando penso em Ademar Macedo e em Manoel Cavalcante, no convívio sereno que tiveram e mútuos benefícios adquiridos, vêm-me à mente os personagens bíblicos  Gamaliel e Paulo de Tarso. Disse Paulo que em sua juventude fora instruído "aos pés de Gamaliel". O mesmo diria Manoel Cavalcante acerca de Ademar pois, quando este ainda engatinhava na arte de versejar, teve o privilégio de conviver com o inesquecível versejador e por ele foi instruído sobre o necessário respeito e devoção  à trindade do cordel "Rima, métrica e oração". Não foi instruído aos pés, mas ao único pé de Ademar e aprendeu a revestir seus insights poéticos com botas de sete-léguas. Por benefícios mútuos refiro-me ao seguinte: Ao lado de Manoel, Ademar mantinha desperto seu lado criança; Manoel, por sua vez, amadurecia como ser humano e como poeta ao lado dele. 

Mais que professor voluntário, Ademar foi tudo em um: pai, amigo, muso, poema humano, livro e irmão. Se hoje Manoel desfila belamente em passarelas de versos e nas academias, é porque o aleijado Ademar, que jamais admitiria um verso de pé quebrado, foi um andajá em sua  formação - aquela mão que o sustentava quando perigava cair. Foi um espelho mágico no qual ele, Manoel, narcisisticamente se mirou tentando assemelhar-se ao que via. Sempre que  o invocou com um repetido "espelho meu", ouviu palavras de incentivo, impulsionadoras de tudo que ele viria a se tornar. Os olhos do trovador fizeram-se lentes e, através destas, Manoel mudou radicalmente sua forma de perceber o mundo. 

Um dos momentos mais tristes da vida do jovem vate deu-se quando foi-lhe noticiado que Ademar recebera do médico um diagnóstico aterradoramente negativo. Infelizmente, a realidade sobrepunha-se à poesia; a distopia dardejava a utopia. Todavia, à semelhança do que ocorre na  antológica cena do filme Luzes da cidade  em que o vagabundo chora e ri ao se revelar à ex-cega a quem amava, o jovem Manoel, a um tempo querendo expressar sua dor e aliviar a do mestre, deu certa sublimidade ao  momento através de um agridoce poema; misturou em doses equilibradas riso e choro. Aspirou o suave perfume da rosa oferecida ao mestre enquanto se feria em seus espinhos. Este foi o modo que encontrou para solidarizar-se com o mestre e consigo mesmo.

O "Poema a Ademar" carinhosamente escrito por Manoel Cavalcante para o saudoso trovador Ademar Macedo quando este noticiou a gravidade do estado de saúde em que se achava, tragicomicamente expressa o espanto que todos tivemos naquele instante. Ambos eram amicíssimos e o poema, apesar da pitada de humor negro, foi efusivamente recebido  pelo convalescente poeta. Cúmplices, estavam cônscios dos sedosos e inquebrantáveis laços de afeto que os uniam para além da morte e da vida. Ao ler as estrofes, ao perceber o eu te amo que pulsava nas entrelinhas, Ademar exclamou: O diabo é quem morre mais com um poema desse! - ( Gilberto Cardoso dos Santos)


Poema a Ademar (Manoel Cavalcanti)

Infeliz das costa oca
Você já nasceu com sorte,
Trate de lavar a boca
Quando for falar em morte.
Deixe este mal infecundo
Vá mentir no “mei do mundo”
Dizer que mora em Genebra,
Pois você sabe, aleijado,
Daquele velho ditado
Que vaso ruim não se quebra...

Perante problemas plenos
Já venceu toda parada
Isso agora é o de menos,
Uma coisinha de nada...
“Cê” vai morrer uma ova
Vai desbulhar muita trova
E pode deixar de dengo
Que nada lhe desanima
Você só tem muito é rima
Acumulada no quengo.

Sua presença é eterna
Neste meu coração brando,
Seu juízo é como a perna,
Inda tem, mas ta faltando...
No e-mail, eu vi piada
Vai do céu subir a escada??
Não acha ter nada errado??
A Deus eu vou dar gorjeta
Porque se for de muleta
Vai demorar um bocado...

Nós já morremos de rir
E eu vou morrer de desgosto
Quando a morte decidir
Rir das rugas de seu rosto.
Já foi diagnosticado
Sendo no exame encontrado
Um câncer na dura-máter,
Mas meu ego desafia
E duvida que algum dia
Surja um mal no seu caráter.

Li seu e-mail na sexta
E vi numa história linda
Que dá tempo de ser besta
Por bastante tempo ainda...
Cair todo mundo cai,
Morrer todo mundo vai,
Mas como você não presta,
Eu lhe convido, Ademar,
Vamos morrer de mangar
E rir que só a mulesta...!

Amanhã ligue pra mim,
Como faz, pra dar pitaco,
E me dizer bem assim:
“-Pense num poema fraco
Esse que você me fez...!”
Que aí vai ser minha vez
De eu mostrar minha manobra
E confessar a você
Que eu já entendi por quê
Deus nunca deu perna a cobra...

Que charada mais completa
Dizer assim sem alento
Que vai morrer o poeta,
“Apois” tu és um jumento...
O cão que vai ser defunto,
Pode mudar de assunto,
Mas pensando muito bem...,
Se um dia fores embora
Vai me dar na mesma hora
Vontade de ir também...

Mas vamos seguir brincando
Procuremos outro norte
Que eu num quero nem pagando
Falar em diabo de morte!!!
Eu com você conviver
Pra mim é grande o prazer,
Pois lições você me dá...
Eu já cancelei meu choro
Pode deixar de “algôro”
Minta e se lasque pra lá!!

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

RESENHA EM VERSOS DO FILME O MATADOR (Netflix)

RESENHA EM VERSOS DO FILME O MATADOR















A Netflix fez algo
Que me deixou encantado;
Produziu um belo filme
No Nordeste ambientado;
O cenário do sertão
Traz a mítica visão
De um tenebroso passado.

Nesta primeira incursão
No cinema brasileiro
A Netflix acertou
Com um brilhante roteiro,
Direção e produção
Em que Marcelo Galvão
Apresenta um cangaceiro.

O seu nome é Cabeleira,
um pistoleiro cruel;
Trabalha para um francês
Rico e dono de um bordel;
Por conta própria instruído,
Retirou seu apelido
De um folheto de cordel.

Aliás, muito encantou-me
Ver o cordel tão citado
Ao longo de toda a trama
E até mesmo declamado;
Também se faz alusão
Ao famoso Lampião,
Em cordéis biografado.

Turmalina Paraíba
é um minério que enfeitiça
Ao francês, a Cabeleira,
Gerando grande injustiça;
Sexo, fome de poder
E a loucura do ter
Fortalecem a cobiça.

Sete Orelhas, matador,
Seu rude pai adotivo,
Foi à cidade e sumiu
Gerando um quadro aflitivo
Na vida do inocente,
Nascido em seco ambiente
Em nada receptivo.

Como um produto do meio
Em tudo desfavorável
Cabeleira se transforma
Num atirador notável;
Pelo sexo enfeitiçado
Passa a ser manipulado
Por um líder abominável.

O filme captou bem
O sotaque do sertão;
Em termos regionais
Faz-se toda a narração;
A nossa literatura
Linguagem, dor e cultura
Ganham grande projeção.

Trata-se de um faroeste
Com elenco internacional
Ricamente produzido,
Além do Bem e do Mal,
Repleto de sutilezas;
O filme guarda surpresas
Pra quem aguarda o final.

Acho que com este filme
Deu-se mais um grande passo;
Na tevê e no cinema
O cordel amplia o espaço;
190 países
Verão os belos matizes

Da história do cangaço.

(Gilberto Cardoso dos Santos, cordelista).

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Marcelo Galvão (produtor) e Diogo Morgado (ator principal)

Veja o trailer

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

BAGUNÇA TROVADORESCA - Vários autores


Se este grupo me aprova
E se oportuno, decerto,
Convido a meter a trova
Nesse colar de Gilberto.
(Zé Ferreira - Natal/RN)

Amigo, na minha trova,
A que você tem em vista
Só um dedo se aprova,
O dA proctologista.
(Gilberto Cardoso - SC/RN)

Quem quiser se aproxime
A trova não tem segredo
No ABAB você rime
E no colar meta o dedo
(Zé Ferreira Natal/RN)

Sou cara que se destaca,
no espaço trovadoresco
doido pra meter a faca
em qualquer sujeito fresco.
(Gilberto Cardoso - SC/RN)

Não façam xilogravura
Para o colar de Gilberto
A arte dessa gravura
É moderna,  não dá certo.
(Zé Ferreira - Natal/RN)

Na trova de Zé Ferreira,
Alguém deixou-me avisado
Cabe uma septilha inteira
Nos versos de pé quebrado.
(G. Cardoso- S.C. /RN)

Quem vê um tocador desse
Querendo metrificar
Sabe que seu interesse
É metro no seu colar
(Zé Ferreira - Natal/RN)

Meu colar de diamantes
em teu pescoço não vai,
pois usas falsos brilhantes
comprados no Paraguai.
(G. Cardoso- S.C. /RN)

Gilberto é cobra ligeira
Nessa arte de trovar
Mas só vejo Zéferreira
Botando no seu colar
(Hélio Crisanto SC/RN)

Hélio, é minhó calá.
De trova tu não entende.
Se o "Negão do Paraná"
te pegar, tua trova fende.
(G. Cardoso- S.C. /RN)

Crisanto, digo a você,
Pode até não soar bem
Mas nesse colar de Gê
Tu pode meter também
(Zé Ferreira - Natal/RN)

Zé Ferreira é da sextilha
Na trova impotente é
Minha trova é uma ilha
E eu sou Robinson Crusoé
(G.Cardoso - SC/RN)

Ilha, carente, sem fé
Pensando muita besteira
Qual foi a de Crusoé
Com o índio Sexta-feira?
(Zé Ferreira Natal RN)

Ouço as rudes cantilenas
De dois poetas pedantes;
São asquerosas hienas
A fugir de um elefante.
(G.  Cardoso- SC/RN)

Gilberto nessa postura
Agarrado no pau torto,
Segue fazendo a leitura
De que está em desconforto.
(Francisco das Chagas - ) 

Estes três têm verve fraca;
Da trova não têm domínio;
Não podem ver uma estaca;
Freud explica esse fascínio!
(G. Cardoso - SC/RN)

Eu sei que pra um poeta
É humilhante trovar
Mas vamos ver quem completa
De Gê Cardoso o colar?
(Zé Ferreira - Natal/RN)

Glosar é como gozar;
Décima é uma larga cova.
Por isso adoro adentrar
na estreiteza da trova.
(Gilberto Cardoso SC/RN)

Nesse estreito de Cardoso
Lembrei da foto da estaca
O vi um tanto reimoso
Sua carne ainda mais  fraca.
(Zé Ferreira Natal RN )

Vate, vá tomar no sul
Um chimarrão numa cuia.
Explore o novembro azul,
no dedo grite aleluia.
(Gilberto Cardoso, Santa Cruz RN)

Jamais irei lhe dizer
Pra ir àquele lugar
Se assim não quer proceder
É bom fechar seu colar.
(Zé Ferreira Natal RN )

De pau e estaca falamos
com bom humor e esmero.
Aqui limites fincamos,
Chegamos à estaca zero.
(Gilberto Cardoso, S. Cruz/RN)

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Marco Haurélio: entrevista sobre cordel, em versos

Entrevistador: Gilberto Cardoso dos Santos
Entrevistado: Marco Haurélio Fernandes

 Xilogravura de Jefferson Campos, especialmente feita para ilustrar a entrevista.

Mais opçõ 
Foi em “Tecendo Linguagens”,
Um livro de português,
Que algo de Marco Haurélio
Vi pela primeira vez:
A capa de um cordel
feito pelo menestrel,
Mas nada do que ele fez.

Antes, alguém me falou
De sua vinda a Natal;
Disseram que ele deu
Aula substancial;
E eu resolvi pesquisar
E por fim entrevistar
Ao grande intelectual.

Com prazer ora apresento
Marco Haurélio, escritor,
Cordelista premiado,
Profundo pesquisador
Do lirismo nordestino
Que se fez, desde menino,
Do cordel um defensor.

Marco Haurélio, de início,
Fale-nos de seu passado;
Das influencias que teve;
Do lugar em que foi criado;
Dos cordéis que escutou
E como isso o levou
A ser tão requisitado.

MARCO HAURÉLIO:

Nasci no sertão baiano.
O local? Ponta da Serra,
Comunidade rural
Onde o céu encontra a terra
E onde eu escutava histórias,
Baús de muitas memórias
De tempos de paz e guerra.

Quando pequeno, eu ouvia
Juvenal e o Dragão,
O Herói João de Calais,
Rosinha e Sebastião,
A Coragem de um vaqueiro,
O Santo do Juazeiro,
História do Boi Leitão.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Fale-nos de suas obras.
Dos livros que publicou,
Qual que mais lhe dá prazer?
Quantos prêmios já ganhou?
Seu legado é muito rico
Pois pra fazer Velho Chico
A Rede Globo o buscou!

 MARCO HAURÉLIO:

Publiquei quarenta livros,
Entre contos e cordéis,
Mais dezenas de folhetos
Aos velhos mestres fiéis.
Alguns prêmios recebi,
Porém reafirmo aqui:
Meus livros são meus lauréis.

À novela Velho Chico,
Eu servi de consultor,
Criei algumas histórias,
Também fui compositor,
Ao estilo do cordel,
Pra Xangai e Maciel,
Uma dupla de valor.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Dos muitos cordéis que leu
Se tivesse que eleger
Dois ou três entre os demais
Quais iria escolher
Como os mais valiosos?
Que cordelistas famosos
Você recomenda ler?

MARCO HAURÉLIO:

Já li bastante romance,
Porém os de maior brilho
Foram Alonso e Marina,
Do qual não me desvencilho,
Também A Sorte do Amor
Do notável trovador
Manoel d’Almeida Filho.

Cada um lê o que quer
Neste distinto celeiro.
Em minha estante, porém,
Moram Delarme Monteiro,
O grande Leandro Gomes,
Minelvino e outros nomes
Do bom cordel brasileiro.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

O cordel subsistiu
À nossa modernidade
Mas parece hoje passar
Por crise de identidade,
No entanto se fortifica!
Ratifica ou retifica?
Corrija-me, por bondade.

 MARCO HAURÉLIO:

O cordel nunca mudou,
Mesmo com novo suporte,
Pois soube se adaptar,
Mostrando ser muito forte.
E se assim não ocorresse,
Perdia o povo o interesse
E decretava-lhe a morte.
Mais opções

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Há mitos sobre o cordel
Quanto a tamanho e estrutura;
Há quem ache que na capa
Tem que ter xilogravura;
Até tipo de papel
Escolhem para o cordel;
Linguagem, cor e largura.

MARCO HAURÉLIO:

Cordel é sempre cordel,
Isso afirmo com orgulho.
É Capitão do Navio,
Rufino, o Rei do Barulho,
Princesa da Pedra Fina,
A Imperatriz Porcina,
E isso independe do embrulho.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Número mínimo de estrofes
Deve-se estabelecer
Na criação de um cordel?
Quantas deveriam ser?
Os textos de Bráulio Bessa
Que fazem sucesso à beça
Que nome deviam ter?

Como costuma enfrentar
As ideias radicais
Dos que amam o cordel
Porém têm zelo demais?
Tente ao gênero definir;
Busque em versos resumir
Aspectos essenciais.

MARCO HAURÉLIO:

Creio que, para ser bom,
Precisa duma estrutura,
Contar uma boa história,
Com uma régua segura.
Declamado ou no papel,
Ouso dizer que é cordel
Quando for literatura. 

Bráulio Bessa é um performer,
Um sujeito carismático
De uma escola diferente,
Tem apelo midiático,
Conversa com o cordel,
Mas enxergo o seu papel
Num outro leque temático.

Cordel é literatura
Da letra e também da voz,
Tem origem nas sementes
Que o tempo espargiu em nós,
O canto de muitas eras,
O pólen das primaveras,
A bíblia dos meus avós.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

O cordel em sua origem
Devia ser diferente;
Como era na Europa,
- Portugal, principalmente?
Na Espanha ele existiu?
Como foi que evoluiu
Ao que é atualmente?

MARCO HAURÉLIO:

Cada país teve um gênero
Similar ao romanceiro
Depois chamado cordel
No Nordeste brasileiro.
Canções, baladas e lais,
Dessas vozes ancestrais
Nós seguimos o roteiro.

Contudo, em nosso Nordeste,
Houve um diferencial:
O cavaleiro galante
Da gesta medieval
Permutou-se no vaqueiro
Atrás do boi mandingueiro,
Perdido no carrascal.

Há histórias de princesas,
Resquícios do medievo,
Mas também há cangaceiros,
Personagens de relevo;
Sem contar os sabichões:
João Grilo, Cancão, Camões,
Num ciclo alegre e longevo.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Diferencie e aproxime
O cordel da cantoria;
Fale-nos da métrica oral,
Tão condenada hoje em dia
E em versos criativos
Cite alguns autores vivos
Que nos recomendaria.

O cordel e a cantoria
Têm valores pontuais:
Dois gêmeos bivitelinos,
Dois legados ancestrais,
Se aproximam, se repelem,
E, por mais que tagarelem,
São filhos dos mesmos pais.

MARCO HAURÉLIO:

O cordel, em outros tempos,
Se assemelhava em prosódia
À cantoria, porém,
Hoje, com outra custódia,
Se vale mais da elisão,
Sem perder a condição
De moderna rapsódia.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Rima, métrica e oração
Ao cordel servem de guia
Mas o que é oração?
Algum leigo indagaria.
E sem fugir do assunto
Ao pesquisador pergunto:
Marco, o que é  poesia?

MARCO HAURÉLIO:

Em minha concepção,
Oração é o sentido,
A razão da poesia,
O fio por ela tecido.
Poesia é harmonia,
Que foi inventada um dia
Por um deus desconhecido.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Cite uma ou mais estrofes
Ditas por um cantador,
Algum trecho de cordel
De inegável valor
Guardado em seu coração,
Digno da atenção
De nosso amado leitor.

MARCO HAURÉLIO:

“O amor quando se alberga
No peito do rico ou pobre,
Se torna logo um guerreiro
Com capacete de cobre,
E só obedece a honra
Porque a honra é mais nobre.

Se o amor é soberano,
A honra é sua coroa.
Portanto, um amor sem honra
É como um barco sem proa,
É como um rei destronado
No mundo vagando à toa.”

[José Camelo de Melo Resende, Entre o Amor e a Espada]

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Finalizo esta conversa
Conselhos solicitando
Para os que fazem cordel.
Os que estão iniciando
Em quem devem se espelhar
E o que devem evitar
No rumo que estão tomando?

MARCO HAURÉLIO:

Se conselhos posso dar:
Leia! Leia! Leia! Leia!
Leia os novos, leia os clássicos,
Ouça o canto da sereia.
Fuja dos espertalhões,
Caga-regras, mandriões,
Gigolôs da verve alheia.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Após tão boas respostas,
Precisas e prazenteiras,
Dirija aos nossos leitores
As palavras derradeiras;
Diga o que o coração manda,
Faça alguma propaganda
E vamos romper fronteiras.

MARCO HAURÉLIO:

O cordel verdadeiro é garimpado
Nas cavernas do tempo e da memória.
Quem buscar entender a sua história
Beberá nas cacimbas do passado,
Mas também estará conectado
Ao futuro, com estro soberano,
Decifrando de vez o grande arcano
Que sustenta a coluna resistente:
É passado, é porvir e é presente
Nos dez pés de martelo alagoano.

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS:

Agradeço demais ao entrevistado
Por nos dar de seu tempo e inspiração
Respondendo à sincera indagação
De quem vê no cordel grande legado.
Exagero nenhum foi endossado.
Ser fiel às origens, eis o plano.
Sem jamais renegar o avanço humano,
Pois cordel é uma árvore frondosa
Nas raízes e frutos vigorosa,
Nos dez pés de martelo alagoano.

Agradeço a Jefferson, grande artista
e amante da arte popular,
que assumiu a tarefa de ilustrar
a tão bela e tão útil entrevista;
Ele que é do cordel apologista
E que tem poesia no tutano
não se deixa levar pelo engano
da cultura vazia e destrutiva;
ele quer que o cordel pra sempre viva
Nos dez pés de martelo alagoano.



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